Flechados no abismo
"Os pioneiros levam as flechadas" é uma frase comumente utilizada para advertir sobre os perigos de uma empresa ser a primeira a lançar uma tecnologia. Mas pouco se fala nos riscos assumidos pelos consumidores que se dispõem a abraçar uma inovação, especialmente aquelas que envolvam grandes investimentos e mudanças de hábitos.
Pois a desatenção a este tópico poderá ser facilmente revertida em função de um experimento real em fase de conclusão no Hemisfério Norte. Ao fim do inverno, motoristas de carros elétricos provavelmente irão repensar sua opção por esses veículos devido aos transtornos acarretados pelas baixas temperaturas: as baterias descarregam rapidamente e custam a ser abastecidas nos poucos pontos de recarga disponíveis, gerando filas e atrasos. À primeira vista trivial, o assunto já mobiliza governos, preocupados em acelerar a descarbonização veicular, enquanto ajuda a recuperar, ao menos momentaneamente, uma tecnologia de transição, a dos carros híbridos, há algum tempo ofuscada por Teslas, BYDs e GWMs. Some-se a isso o elevado custo de manutenção, que já levou uma grande agência de aluguel a colocar à venda sua frota eletrificada, além das dificuldades de girar os estoques de elétricos de segunda mão, essenciais para dar vazão aos modelos novos, e sobrevém a pergunta: valeu a pena para motoristas e frotistas apressarem-se em adotar a novidade?
Novas tecnologias impõem uma barreira psicológica ao comprador quando são lançadas. Cauteloso, ele costuma enfatizar mais as perdas de uma eventual troca do que os ganhos. No caso do carro elétrico, aquelas seriam a facilidade de abastecimento, além do desconhecimento dos potenciais problemas que o veículo pudesse apresentar no médio e longo prazo (e que vem apresentando, aliás).
Não admira que, no clássico gráfico que descreve a adoção de novos produtos, os que se dispõem a ser cobaias recebam o nome de "inovadores" e constituam apenas 2,5% dos consumidores. À medida que a tecnologia se consolida é que surge a segunda leva de compradores, conhecidos como "adotantes iniciais", capazes de oferecer impulso ao mercado e indicar que uma mudança de paradigma tecnológico está em curso. Considerando que existem carros elétricos no mercado do primeiro mundo há quase duas décadas, pode-se afirmar que a geração atual de proprietários constitui o grupo de early adopters, cuja experiência positiva é fundamental para o mercado se consolidar.
O motivo? Novas tecnologias costumam encontrar um abismo em sua curva de adoção justamente na passagem do segundo conjunto de compradores para o terceiro, mais cauteloso e pragmático. Este, que corresponde a um terço dos consumidores, não tem ambições novidadeiras ou apreço especial pelo mundinho tech; quer apenas algo funcional. E, por tudo o que tem acontecido, aparentemente exigirão um esforço de convencimento por parte de montadoras e governos a se arriscar às flechadas que proprietários do carro elétrico têm tomado ultimamente.
E olha que o A-ha nem está mais na ativa para dar uma mãozinha...
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