Tudo o que é bom se desmancha no ar?
Na última edição do caderno TOP OF MIND, de AMANHÃ, escrevi um artigo no qual abordo o impacto dos negócios digitais sobre a economia tradicional, bem como a velocidade com que marcas nascem e morrem nos tempos atuais (“Tudo o que é sólido se desmancha na web”). Não fazia parte do escopo do texto abordar paradoxos do mundo digital, ou mesmo aspectos que alguns críticos têm destacado como de consequência duvidosa aos negócios e à sociedade. Cumpre fazê-lo aqui.
Primeiro, há quem critique a maneira como as novas empresas digitais são geridas e financiadas. Na intenção de abrir capital o mais rápido possível, as companhias são incentivadas a crescer de maneira rápida e agressiva, atropelando rivais e regulamentações, mesmo que a custa de sucessivos prejuízos operacionais. O alvo não é necessariamente melhorar o serviço ou o produto que oferecem, e sim ganhar escala suficiente para fazer a oferta inicial de ações e, dessa maneira, obter fôlego financeiro mais duradouro. O valor de mercado dessas empresas acaba não raro superdimensionado, contribuindo para formar bolhas especulativas.
“A ideia original do negócio pode ter sido boa e potencialmente lucrativa, mas tudo isso implode em nome de (...) vender a empresa para Wall Street”, aponta um professor que lançou livro a respeito do assunto (leia resenha aqui). Alguns analistas já atentam para este fato e começam a dar mais atenção às empresas que projetam um crescimento consistente, em vez de veloz (leia aqui), dado que as startups acostumaram-se a esconder prejuízos e a definir lucro de maneira “criativa” (leia aqui, para assinantes).
Essa lógica contribuiria não apenas para drenar recursos de investidores, como também para tornar o sistema menos vantajoso para o consumidor final. Na corrida para ganhar volume o mais rapidamente possível, a concorrência acaba sufocada e monopólios e oligopólios passam a vigorar, visto que se torna inviável criar negócios em mercados em que já há players consolidados e bem financiados (mais detalhes aqui).
Segundo, o tal modelo de trabalho flexível e descolado propagado pelo Vale do Silício pode esconder, na realidade, uma mera exploração da mão de obra com tintas modernosas. A euforia dos ambientes descontraídos e o espírito de corpo de quem se sente fazendo uma revolução apenas esconderiam escritórios nos quais o trabalho tem pouco significado e é tão exigente e cruel com os subordinados quanto qualquer chão de fábrica. Um jornalista passou dois anos numa startup californiana e, mesmerizado, relatou sua experiência em livro.
Finalmente, no afã de criar um novo negócio de sucesso, o supérfluo tem virado o principal e mobilizado empreendedores dispostos a resolver trivialidades do cotidiano, enquanto temas mais urgentes e relevantes seguem à espera de soluções, em um caso típico de má aplicação da tecnologia (como bem aponta essa jornalista aqui).
Depois desse arrazoado anti-tech, ainda sobre o que celebrar na nova economia? Sim, e esse é o post da semana que vem.
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