Dentro das quatro linhas
Muita gente tem dito que esta vem sendo a melhor das Copas. Talvez seja mesmo verdade. Independentemente dos bons ventos que têm soprado até agora em nosso favor (não custa bater na madeira três vezes), há de se reconhecer que nenhum fator extra-campo tirou a atenção do público dos gramados (toc, toc, toc de novo), em função da enorme, porém discreta mobilização em torno da prevenção do terrorismo e apesar dos milhares de passageiros transportados em segurança entre aeroportos e estações ferroviárias. De resto, levando-se em conta que a Rússia tem baixa tradição – e tome eufemismo nisso – em prestar serviços de bom padrão, o nível de satisfação dos visitantes tem estado além do satisfatório. Até os sisudos guardas da Praça Vermelha têm sido complacentes com bebedeiras e excessos, e os russos têm entrado no clima das diferentes torcidas lá representadas. De mais, como desta vez não estamos pagando a conta, como em 2014, é claro que tudo fica mais suportável. É pimenta que arde nos olhos alheios.
O que mais nos interessa, contudo, diz respeito aos times nacionais lá representados. A destacar, para começar, o fato de que boa parte das equipes começou a competição observando jejum. Isso porque o fim do Ramadã muçulmano coincidiu com o começo da Copa e isso explica em parte que alguns atletas estivessem se arrastando pelos gramados por deficiência calórica visível. Que outra explicação haveria para o bisonho desempenho da Arábia Saudita no jogo de abertura contra a Rússia, o que valeu à nação islâmica uma dilatada goleada? Embora o mesmo não tenha acontecido com os demais países maometanos nessa escala, ecos de fraqueza física hão de ter castigado a Tunísia, o Irã, o Egito, o Marrocos, e até mesmo o Senegal e a Nigéria, estes em menor medida. Todas essas equipes tiveram momentos em que surpreenderam positivamente mais adiante e embora já não estejam vivas na competição, é o caso de imaginar que sem os rigores dietéticos do Profeta, talvez uma ou outra tivesse avançado para além das oitavas.
Seja como for, a quantos estamos reduzidos a essa altura? Ao anfitrião, Rússia. A uma nação balcânica, a Croácia. A três latinos, sendo dois americanos – Uruguai e Brasil –, e a França. À Bélgica, Inglaterra e Suécia. A deplorar, e muito, que a Colômbia tenha pagado o preço de um começo acidentado, o que também se aplica ao Peru. A Argentina, na verdade, parece que sequer chegou à Rússia. Espanha e Portugal foram deploráveis e ficaram hipotecadas a desempenhos individuais que não se materializaram a contento. Dinamarca e Islândia caíram fora com louvor, mas Estocolmo está lá representando o bloco escandinavo bravamente. A Austrália fez o que estava a seu alcance e ao menos trouxe torcedores animados às confraternizações da rua Arbat. A Suíça, híbrida e sem graça, foi longe e há de destacar os jogadores kosovares que provocaram os atletas da Sérvia, o que assinalou a única instigação política em campo. A Costa Rica e o Panamá honraram os diminutos países da América Central e o México surpreendeu de saída, mas caiu frente ao possível campeão da Copa (haja madeira para tocar de novo).
Para alegria suprema dos anfitriões, os vizinhos poloneses tiveram uma atuação pífia, o que deve ter irritado torcedores que se deslocaram de Varsóvia e que sentiram jogar dinheiro pela janela. Já da Alemanha, o mínimo que se pode dizer é que o time foi acometido de visível desgaste de material. Com raros lampejos da velha "Mannschaft", o certo é que Joachim Löw, o maior salário entre os técnicos, terá de dar boas explicações para manter seus 400 mil euros ao mês de remuneração. No caso dos representantes da Ásia, tanto Coréia do Sul quanto Japão fizeram bom papel. À primeira coube uma chave crudelíssima e não fez mais porque não dava. Já o Japão poderia ter levado a disputa das oitavas-de-final para os pênaltis, não fosse a proverbial inocência que os acomete nos momentos cruciais. Pereceram a segundos do fim por conta da rapidez de reposição do goleiro belga, o esperto Courtois, que armou o ataque fatal. Cabe ao Brasil vazá-lo sexta-feira.
Sim, Copa do Mundo é mesmo um desses eventos que dizem enormemente do estado da arte dos países e da temperatura da Terra. Entre esta quarta e quinta, como superar a crise de abstinência aguda, já que não teremos jogos? E como será a vida depois de terminadas as oito partidas faltantes? Não sei, mas hoje ainda há espaço para falarmos desses esporte arrebatador e imprevisível. E você, quais são seus prognósticos?
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