A primeira visita depois do 11 de setembro

Das cidades importantes que não são capitais de seus países, considero-me íntimo de pelo menos dez: Barcelona, Milão, Estrasburgo, Porto, Sidney, Marraquexe, Arequipa, Cidade do Cabo, São Petersburgo e Nova York (foto). Sendo hoje dia 11 de setembro,...
A primeira visita depois do 11 de setembro

Das cidades importantes que não são capitais de seus países, considero-me íntimo de pelo menos dez: Barcelona, Milão, Estrasburgo, Porto, Sidney, Marraquexe, Arequipa, Cidade do Cabo, São Petersburgo e Nova York (foto). Sendo hoje dia 11 de setembro, nada mais natural que fale de minha relação com a última, em suas várias etapas de descobrimento. 

Cheguei em Nova York pela primeira vez em 1977, aos 19 anos. Tratava-se de uma viagem curtinha aos Estados Unidos – à Georgia, mais precisamente –, e um grupo de pessoas esticou até lá. Era um outubro nublado e lembro dos pequenos e grandes neons, dos perigos que evocava o Central Park à noite, da desolação do Harlem, do frio no alto do Empire States e pouco mais. 

Lembro também que dois senhores galhofeiros do Recife, que integravam comigo o único trio de solteiros das 20 pessoas que éramos, perguntou se eu não queria acompanhá-los a um show de "strip tease" em Times Square. Eu já vira um em Pigalle, em Paris, e tinha gostado muito. Mas o show americano foi decepcionante. Sem sensualidade nem coreografia, era mecânico e a moça decididamente não fazia meu tipo. 

Depois viria um longo intervalo até que a partir de 1981 as visitas se tornassem frequentes e quase viciantes, especialmente no final da década quando tinha uma namorada que vivia lá e tive nada menos que 14 entradas nos Estados Unidos num só ano, já que tomava meus voos para a Ásia a partir de lá, e não mais de Los Angeles, ademais das triangulações na volta da Europa. 

Nova York era uma cidade bem diferente daquela que eu vira em 1977. Cheia de glamour, parecia que tinha passado por uma reinvenção radical e as pessoas que eu frequentava em São Paulo enumeravam seus programas de entretenimento mundano com uma familiaridade tal que era inconcebível que eu também não mergulhasse naquela mitologia cheia de prazeres. 

Foi por essa época que me encharquei de musicais. E com os negócios correndo muito bem, abraçava o circuito dos restaurantes bons – Sparks, Smith & Wollenski, Palm –, ou simplesmente famosos, caso do Le Cirque. Toda noite ia ao Au Bar, ao Nell´s e teve vezes de esticar até o Save the Robots, de onde saía com luz do dia e algo mais do que uísque na cabeça. Eram os tempos.

Nos anos 1990, o glamour bateu o auge, mas eu mudara de emprego e de namorada, e muitas daquelas coisas deixaram de fazer sentido. Os programas passaram a ser mais culturais e menos mundanos, mais refletidos e menos extravagantes. Já não ia ao River Café, mas levava um livro para Brooklyn Heights e ficava contemplando o perfil de Manhattan. 

Tudo progredia neste diapasão quando aconteceu o 11 de setembro, já descrito aqui em 2017. E então, em janeiro de 2002, eu voltei lá com uma namorada nova que passava por um momento muito difícil, o que gerou um anticlímax vis à vis o que eu gostaria de ter-lhe mostrado e vivido. Ainda assim, cinco coisas na cidade me causariam uma impressão que vou carregar comigo para a vida. 

a) Ver Manhattan sem o par de torres que eu até pouco antes enxergava do outro lado do rio Hudson era um choque. Era ver como ver de frente uma pessoa que achássemos linda, mas que de repente tivesse perdido dois dentes. Uma coisa é ver uma paisagem modificada por uma construção nova. Outra, essa bem desconcertante, é vê-la desfalcada. Imagine-se Paris sem a torre Eiffel;

b) As pessoas tinham mudado. Parecia que a geração yuppie a que eu até certo ponto me orgulhara de pertencer, tinha dado lugar a pessoas mais acolhedoras e atentas, cheias de gentilezas e meneios que não tinham antes. A "cidade que nunca dorme", na voz de Sinatra, continuava trepidante, mas as pessoas se olhavam mais nos olhos, a pressão diminuíra, de vez em quando brotava uma piada, uma gentileza;

c) A figura humana que mais me impressionou foi a de um engraxate colombiano que chegara tarde para trabalhar no subsolo do WTC na manhã de 11/9. Ainda desorientado, vivendo quatro meses depois um choque de estresse pós-traumático, ele contou que todo dia saía de casa e ia até os escombros. E ali dava a visão dele dos fatos. Será que sabia ainda o que era verdade ou ficção? O que importava? Ele não aceitava dinheiro pela conversa;

d) Naqueles dias senti pela primeira vez que a questão do aquecimento global era seríssima. Acostumado aos rigores de vários invernos nas décadas de 1980-1990, ali mesmo no Central Park onde fomos passear, chegamos a ter 17° numa tarde de sol, o que seria absolutamente inimaginável uns anos antes. Dali em diante, veria várias intercorrências bizarras no mundo neste campo; 

e) Por fim, havia uma espécie de histeria coletiva que conjuminava os padrões de segurança quase paranoicos vigentes em Israel com uma vigilância a não-conformidades sob o menor pretexto. Um bigode árabe, um pacote abandonado ou um grito na multidão, tudo parecia passar por um escrutínio de verificação que não combinava com os velhos tempos. 

Seja como for, a cidade segue desafiante e cheia de exuberância. E mesmo depois da catástrofe, continua valendo o refrão: "If I can make it there, I ´ll make it anywhere". New York, New York, seja bem-vinda aos 18 anos de seu renascimento. 

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