Estranhos roteiros
Sem nenhuma propensão à morbidez, a verdade é que já visitei longamente os locais onde alguns homens públicos foram assassinados. Creio que o primeiro deles foi o antológico hotel Ambassador, de Los Angeles, que já não existe, onde foi morto o senador Bobby Kennedy. Respirar os ares em que o jordaniano tresloucado alvejou-o, foi uma experiência edificante porque me deu um laivo de concretude diante das artimanhas da História. Pouco tempo mais tarde, em viagem a Dallas, fiz questão de ficar no inóspito centro da cidade só para visitar várias vezes o ponto das ruas Elm com Houston, em Dealey Plaza, onde cinco anos antes da morte de Bobby, fora alvejado o mais ilustre membro da família Kennedy, o carismático John (foto). Na época, já havia um memorial alusivo ao triste evento. Por bom tempo, inclusive no silêncio da noite, ia até lá e tentava adivinhar a trajetória da bala disparada do depósito de livros por Lee Osvald. Na sequência, o carro aberto disparou para o hospital e ninguém que viveu este dia esquece a figura de Jackie Bouvier Kennedy a amparar o marido, com o tailleur rosa salpicado de sangue.
Se a Rua Sveavägen, em Estocolmo, não lhe diz grande coisa, pois bem, saiba que estive lá inúmeras vezes depois que, na noite de 28 de fevereiro de 1986, o primeiro-ministro sueco Olof Palme foi morto. Saía do cinema com a esposa Lisbet quando um criminoso, até hoje não identificado, atirou à queima roupa. Caminhando por essas ruas, não raro saía do Grand Hotel, onde costumava me hospedar, para render essa estranha homenagem ao fato da História. Nos primeiros anos, lembro de muitas flores e velas, não raro acomodadas sobre a neve dura. Outra peregrinação inevitável é à Praça Reis de Israel, no centro de Tel Aviv, onde um fanático religioso matou Yitzhak Rabin, nos anos 1990. Em imperdoável falha da segurança, o assassino se infiltrou sem grande dificuldade aparente no círculo próximo ao primeiro-ministro, que ainda chegou vivo ao hospital. De todas as tragédias, esta foi das mais chocantes na medida em que Israel compartilha um truísmo de que judeus não deveriam se matar, uma alusão aos percalços que juncaram a trajetória do povo ao longo dos séculos em terras longínquas.
Nos primórdios de minha vida profissional, quando ensaiava os primeiros passos pelos países da circunvizinhança continental, mais de uma vez pedi aos taxistas de Assunção, no Paraguai, que me levassem até o exato local onde fora assassinado a tiros de bazuca, o folclórico ditador nicaraguense, Anastácio Somoza, o "Tachito". Segundo rezava a crônica da época, ele abusara das leis do asilo a se engraçara por ninguém menos do que a amante do filho do presidente Stroessner. Viveu como caudilho e como caudilho morreu. Nada mal. Já em Sarajevo, na Bósnia Herzegovina, não houve dia que lá tenha passado em que não tenha visitado a pequenina ponte Latina, local seminal do começo da Primeira Guerra Mundial. Foi lá que o estudante sérvio Gavrilo Princip matou à bala o arquiduque da Áustria Franz Ferdinand. Poucas vezes um fato isolado teve consequências tão funestas e abrangentes. Nesta mesma Sarajevo, cidade de grande beleza, visitei o Holiday Inn de onde os atiradores acertavam alvos com hora marcada, para horror de uma audiência global estupefata. E o hotel Rashid, de Bagdá? E o King David de Jerusalém? O que aconteceu por lá?
Bem, outra hora posso voltar ao tema e falar de outros marcos da História que fiz questão de visitar. Mas prometo que vou escolher uma temática menos pesada, especialmente se calhar de ser numa sexta-feira como a de hoje, que assinala a entrada definitiva do outono em nossas plagas tropicais. Oxalá venha bem frio.
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