Cada um é Majestade a seu modo
Aos 88 anos, faleceu quinta-feira (13) o rei da Tailândia, Bhumibol Adulyadej. O velório terá início no dia 20, portanto, uma semana depois da morte do querido soberano. O país do sudeste asiático se prepara para um período de luto de um ano; a vigília ainda é por tempo indeterminado e a cremação tampouco tem data para ser realizada. O estoque de tecido branco e preto está se esgotando rapidamente e o governo está vigilante quanto a abusos por parte dos comerciantes. As multas podem ser muito altas em caso de especulação e podem levar ao cárcere os infratores. As cores nas ruas, portanto, estão reduzidas aos táxis verdes e fúcsia e à vegetação exuberante. Assim é na Tailândia.
No não menos luxuriante Recife de tantas belezas, no domingo, dia 16, faleceu meu amigo Camilo Simões, aos 31 anos. A singeleza de seu sorriso e a simplicidade de nossos ritos abreviou o pungente sofrimento por que passa uma imensa família de amigos e uma cidade. Foi decretado sim luto oficial de três dias, mas todos nós sabemos que, na verdade, este durará 3 semanas, 3 meses, 3 anos, 30 anos e, muito provavelmente, as saudades que ele deixou se eternizarão no culto ao amor paterno que Rebeca, sua eterna namorada, legará a Pedrinho e Téo. A seu modo, esse jovem de sorriso exuberante e bondade explícita na alma, constituiu uma raríssima unanimidade política num estado reconhecido pelas querelas político-partidárias.
Certa vez cheguei à Tailândia no dia em que a comunidade chinesa queimava fogos de artifício à beira do rio Choupraya para homenagear o soberano por ocasião de seu aniversário. Aos festejos, se seguiriam novas honrarias por parte dos indianos que por lá também são numerosos. Embora seja um país aclamado pela placidez de seu povo e extrema gentileza de trato interpessoal, a Tailândia reprime fortemente quaisquer manifestações hostis à monarquia. Um ato dessa natureza seria considerado tão sacrílego quanto chistes em torno da figura de Buda ou provocações aos monges. Pouco importa que o regime político galvanize posições radicais e líderes sejam encarcerados por corrupção. O prestígio da monarquia sempre permaneceu intacto.
No dia que Camilo Simões (foto) faleceu no Recife, a vibrante torcida do Sport lhe dedicou seu grito de guerra "cazá, cazá, cazá" e rendeu justa homenagem a um dos rubro-negros mais lídimos de sua geração. A seu velório, compareceram todas as correntes políticas sérias com representação em Pernambuco – e até fora do Estado – e se ouviu na voz das mais altas autoridades candentes palavras de dor sobre a vida breve desse jovem quadro cujo futuro tanto prometia. Seu compromisso era com a cidade onde nasceu e que amou devotadamente até o último suspiro. A raríssima unanimidade que constituiu derivou do amor com que foi criado e de seu jeito de liderar, perseverar, negociar e argumentar. Seu exército era seu sorriso. Seus soldados, seu abraço.
Nunca vi o rei da Tailândia pessoalmente. Apenas lhe visitei alguns dos palácios espalhados pelo Reino resplandescente. Quanto a Camilo Simões, o conheci bem e, muitas vezes, dormimos sob o mesmo teto, quando tive a ventura de namorar com a mãe dele, que lhe devotava amor incondicional, cúmplice e amigo. Isso foi há alguns anos. A chama da amizade se manteve. Ele casou e, abrindo caminhos com seu talento e inteligência, se tornou Secretário do Turismo e Lazer do Recife, cidade de que seu avô já fora prefeito. Quem garante que ele não estava fadado ao mesmo destino? Nada sei dos desígnios de Deus. Mesmo porque ele é uma abstração inalcançável para mim. Só sei dizer que estou sofrendo imensamente pela morte de meu amigo.
Onde quer que você esteja, Camilo, se sentado ao lado do Rei do Sião ou de seus honrados antepassados, saiba que vou levá-lo em meu coração até que ela faça comigo a presepada que o seu fez com você e também resolva parar de bater. Sei que não nos víamos muito e sequer programávamos nossos encontros. Mas cada gol que você fazia, minha alma entrava em rebuliço e cantava. Talvez você não ouvisse porque eram tantos os seus amigos e admiradores. Mas vou te dizer uma coisa que pode até ser perigosa para minha reputação. Foi por você e João que, certa feita, eu torci pelo Sport. Lembra que nos abraçamos na volta do jogo de tanta alegria? Só você mesmo para operar tal milagre. Que não me expulsem do Náutico por isso.
Um último pedido. Nas noites bem escuras, você cintile forte para que o vejamos daqui. Basta sorrir. Você deixou muitas saudades em todos nós. Que o Rei da Tailândia não nos ouça.
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