As Chacretes e o balé do Faustão
Há alguma coisa trágica no sorriso perfeito das meninas que dançam aos domingos no programa de Fausto Silva. Não me perguntem o que é, mas esse é o sentimento que me assola quando as vejo compor o fundo da tela e ali destilar uma beleza que entristece, uma alegria que não convence e uma espontaneidade empostada. Não há como negar que são garotas bonitas. Todas ali levam as demandas do corpo muito a sério e tenho certeza de que por trás de cada movimento houve um lastro de investimento pessoal, de dedicação e luta para galgar os estágios mínimos que a função exige. Com coreografias bem executadas, o triste advém, sobretudo, da atitude que adotam quando paradas, os olhos ávidos à procura da câmara.
Ora, em resposta à cornucópia de disparates do apresentador – este merece um capítulo à parte –, espera-se delas que componham uma espécie de coral mudo em que o não-verbal tem de ser enfático e homogêneo. Assim, diante da cena de um bebê que leva um tombo do escorregador, todas fazem um biquinho de compaixão, como se a dizer que por trás da sensualidade afetada, lateja um coração talhado para a maternidade. Se é para ecoar a reação a uma piada anódina do animador bufão, riem a ponto de quase chorar, fingindo limpar a maquiagem. Já se é um bêbado que se esborracha no chão, elas fazem um ar de censura que se pretende bem humorado, como se obedecessem a um comando uno. E quem disse que não obedecem?
Juro que não lembro dessa tristeza naquelas que foram as pioneiras do ofício, até onde consigo lembrar. Refiro-me, evidentemente, às Chacretes. Posso até ser saudosista em alguma medida, mas nos tempos de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, pernambucano de Surubim, toda semana contávamos com a sensualidade algo barata de meninas que me pareciam dotadas de grande personalidade artística. Já no corpo de baile de Fausto Silva, ninguém tem nome, todas vão ao mesmo dentista e, talvez, tenham a mesma dosagem de silicone a lhes turbinar as partes. Assim rezam os cânones do script que, ao fim e ao cabo, as reduz a clones umas das outras. Só muda mesmo a cor do cabelo e olhe lá. Daí a inexplicável compaixão que me assalta.
Tenho certeza de que, embora de forma menos ostensiva, as Chacretes também buscavam as câmaras e procuravam caprichar nos meneios e rebolados para cavar seus instantes de glória. Sem ser lindas nem perfeitas, aquelas moças derramavam um erotismo de ocasião, mas tinham o soberano direito à individualidade e até ao mal humor, se fosse o caso. Que privilégio raro, pensando bem. Se Rita Cadillac foi de todas a mais icônica, muitas outras se tornaram conhecidas pela forte personalidade: Fernanda Terremoto, Índia Potira, Valéria Mon Amour, Sandra Veneno, Érica Selvagem, Cida Cleópatra e Fátima Boa Viagem. Pergunto: quantas dessas meninas do universo pasteurizado de Silva se equiparam às divas de Barbosa? Enfim, outros tempos.
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