Ser inglês
Conta meu amigo Carlos Eduardo Queiroz que estava certa feita num "pub" de Manchester a tomar um drinque, quando um cavalheiro foi acrescentar um dedinho de água com gás ao uísque. Como se sabe, normalmente há um sifão sobre o balcão e as pessoas se servem dele para aspergir umas bolhas na bebida. Por alguma razão, a operação nesse dia foi um desastre. O jato do líquido carbonatado saiu com o vigor de um lança-chamas e nosso amigo ficou ensopado, trazendo sério prejuízo à indumentária elegante. O que levaria qualquer mortal a espernear, xingar o proprietário, Deus e mundo, ensejou um discreto muxoxo: "Eu não diria que isso esteja funcionando adequadamente". Sem perder a compostura, encomendou nova bebida e retomou o convívio com os amigos, fazendo troça do próprio infortúnio: "Logo hoje, o único dia em que a meteorologia estava benevolente. Minha mulher vai pensar que estava numa orgia carnavalesca. Cheers". Assim são os ingleses.
Nesse contexto de muito fair play, é emblemática uma cena que se via muito na Segunda Guerra Mundial, quando Londres foi severamente castigada pelos bombardeios alemães. À frente de armazéns destroçados e de fachadas destruídas, os comerciantes escreviam a traços de giz sobre uma lousa: "Mais aberto do que nunca". E a vida continuava. Esses temas veem bem a calhar quando pensamos no sucedido na última quarta-feira, 22 de março, quando a cidade foi palco de mais um atentado terrorista, este de cunho minimalista, se é que podemos colocar assim. Numa entrevista de um parlamentar sitiado que escutei na sequência, ele dizia que se Churchill estivesse lá dentro, já teria encomendado conhaque e charuto para todo mundo e, possivelmente, a sessão sequer teria sido interrompida. Demonstrar uma certa indiferença ao infortúnio integra o espírito britânico de forma indelével. E que assim continue. Pois tudo o que não se pode admitir é uma mudança de estilo de vida por conta do terror.
Veja mais notícias sobre Comportamento.
Comentários: