Elis vive
Washington Olivetto costuma lamentar que, na publicidade atual, não existe a mesma preocupação com a ideia – aquela que torna um comercial interessante, leva-o a repercutir e, com alguma sorte, a fazer parte da cultura popular. Não é o único a expressar tal desalento. Marcello Serpa, criativo igualmente incensado e premiado, disse que decidiu largar a profissão quando percebeu que a fragmentação dos meios de comunicação acabaria com aquilo que ele chamava de "big idea", o insight que conduz toda uma campanha, independentemente do meio em que é veiculada. Pode ser demasiado definir o comercial de 70 anos da Volkswagen Brasil, que foi ao ar na semana passada, como uma "grande ideia", ou mesmo acreditar que ele perdurará na memória dos consumidores. Mas certamente já é possível inscrevê-lo no rol das boas peças da recente publicidade brasileira. Ao unir Elis Regina, por meio de inteligência artificial, e a filha Maria Rita para o dueto de uma canção icônica do repertório da mãe, a Almap BBDO deve ter deixado orgulhoso seu ex-CEO – o próprio Marcello Serpa (assista aqui).
Acontece que não é apenas o papel de uma sacada original que diferencia a publicidade na qual Serpa e Olivetto reinaram daquela que se faz hoje em dia. É a repercussão. Tão logo foi divulgado, o comercial da VW virou alvo de críticas nas redes sociais por vincular uma cantora opositora do regime militar a uma marca que o teria apoiado; por se valer de uma letra de queixume sobre a semelhança entre gerações em uma peça que a celebra; por isso, por aquilo e por aquilo outro. Nada passou batido. A delicadeza de permitir que, pela primeira vez, Maria Rita "cantasse" com a mãe; a capacidade de se valer de uma nova tecnologia para dar vida a Elis; a beleza das imagens de carros antigos que fizeram parte da vida de todo brasileiro; e o impacto eterno da canção de Belchior – tudo veio acompanhado de vírgula, de óbice, de porém. Serpa e Olivetto não mencionam, mas acredito que seja esta a maior diferença da criação publicitária de seus tempos e a atual: o medo da patrulha e a consequente autocensura. Quantas boas ideias não têm morrido em brainstorms pelo temor de cancelamento (que, faça-se justiça, às vezes é mais do anunciante que do publicitário)?
Curiosamente, esta propensão a politizar e problematizar tudo vem da mesma década de 1970 de quando nasceu "Como nossos pais", e voltou requentada com a primavera ativista impulsionada pela internet e pelas mídias sociais. Por isso, se publicitários de outras gerações podem parecer saudosistas e datados, é de se perguntar se o espírito das redes sociais, tributário de meio século atrás, também não é nostálgico – no pior sentido do termo. Ou, por outra: quem, no fundo, ama o passado e não vê que o novo sempre vem?
Comentários: 1
Era mais fácil comprar uma Kombi na época do regime militar brando, a ditadurinha mequetrefe, do que hoje. E Kombi e Fusca são legados de Hitler.