No grid de largada da indústria automobilística

O trecho a seguir faz parte do livro “The Mind of the Tops – Paraná”, publicado pelo Instituto AMANHÃ, com apoio técnico da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).  Todo mundo sabe que a Renault do Brasil começou a m...
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O trecho a seguir faz parte do livro “The Mind of the Tops – Paraná”, publicado pelo Instituto AMANHÃ, com apoio técnico da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). 

Todo mundo sabe que a Renault do Brasil começou a montar automóveis em dezembro de 1998 em sua fábrica de São José dos Pinhais (PR), mas apenas uma minoria lembra que a centenária marca francesa esteve no grid de largada da indústria automobilística brasileira, quatro décadas antes. Foi no final dos anos 1950, e início dos anos 1960, período hoje identificado como a era JK. Da linha de montagem da Willys Overland em São Bernardo do Campo (SP), saíam os pequenos Dauphine e Gordini, licenciados pela Renault, que alguns anos antes apostara na Argentina como o mercado mais promissor da América Latina. 

A quem não os conheceu pessoalmente ou sabe deles apenas por ler ou ouvir dizer, registre-se que o Dauphine tinha uma aparência delicada, feminina até, enquanto o Gordini, no mesmo modelito compacto, ostentava uma panca de valente, tanto que era visto frequentemente nas ruas com rodas de magnésio e pneus de tala larga, como se estivesse sempre pronto para um pega. Tais imagens macho/fêmea foram turbinadas pela incipiente revista Quatro Rodas, que nasceu junto com a indústria automobilística nacional. Na capa da edição de outubro de 1961, associava-se o Dauphine a uma mulher jovem e elegante; em outra reportagem, ensinava-se como “envenenar” um Gordini, cujo motor traseiro de 32 cv era capaz de deixar na poeira o Fusca 1200, com seus 36 cv. Bons tempos aqueles em que a tradição competitiva da Renault permitiu à Willys dar-se o luxo de lançar um carro de apenas dois assentos – o Interlagos, versão paulista do esportivo Renault Alpine A 108. De 1961 a 1968 foram fabricados no Brasil 822 Interlagos, 23.887 Dauphines e 41.052 Gordinis. A maioria dos remanescentes é mantida por colecionadores.

Bons tempos? Modo saudosista de dizer. No final da recessão econômica do período 1965/1967, a fábrica da Willys acabou nas mãos da Ford, que andava louca para entrar no mercado de automóveis populares. Os americanos deram sorte: o que havia de melhor na herança da Willys era o Projeto M, nome do mutirão que levaria a fábrica de São Bernardo a lançar o Ford Corcel em 1968. O carro era um híbrido americanizado do Renault 12, cujo motor CHT equiparia ainda vários carros da Renault, da Ford e da Volkswagen no Brasil nas três décadas seguintes.

Além de ajudar a Ford a conquistar espaço no mercado de carros de passeio, o Corcel manteve no fundo da memória do consumidor brasileiro a imagem da marca francesa, que desfrutava de livre trânsito nos bastidores da indústria automobilística. O merchandising do novo carro, pilotado pelo publicitário Mauro Salles, beneficiou-se até de uma canção dos compositores cariocas Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle: puxando para o lado americano da história, eles associavam “meu Corcel cor de mel” a “meu Mustang cor de sangue”. Anos depois, fez sucesso uma canção em que Raul Seixas se vangloriava de ter comprado um Corcel 73.

A família Corcel, da qual fizeram parte a perua Belina e a picape Pampa, esteve muitos anos em cartaz, disputando com a Volkswagen e a General Motors (e com a Fiat a partir de 1976) a preferência dos consumidores brasileiros. Em todo esse tempo situado na pré-história da marca no Brasil, a Renault se manteve ativa em Córdoba, onde começara licenciando a fabricação do Dauphine e do Gordini pela IKA, fundada na segunda metade dos anos 1950 por um norte-americano chamado Henry Kaiser. Anos mais tarde, o grupo francês assumiria o controle acionário da indústria argentina.

Segunda época
Quando se abriram as portas do mercado brasileiro em 1990 – na arrancada do seu governo de apenas dois anos, o presidente Fernando Collor havia comparado os carros brasileiros a “carroças” –, quem logo despontou na pole position dos importados? A velha Renault, agora com seu novo logotipo em forma de losango. Inicialmente seus carros vinham de carreta da Argentina, onde a Renault se tornara líder de mercado, graças especialmente ao Torino, um carro elegante e resistente. Depois, amparada por incentivos fiscais do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), se abriu uma linha de importação no porto de Vitória. 

Enquanto testava o mercado brasileiro, o grupo francês então dirigido pelo engenheiro Louis Schweitzer desenhava um projeto definitivo de internacionalização da marca. Com a inflação controlada pelo Plano Real (1994), o Brasil foi incluído no projeto. Na época, a companhia francesa já possuía diversos pontas-de-lança no mercado brasileiro. Os mais experientes eram os administradores Alain Tissier e Olivier Murguet, que atuavam em marketing e vendas ao lado do importador oficial Carlos Alberto de Oliveira Andrade, um experiente revendedor Ford no Nordeste, conhecido pela sigla CAOA, formada pelas iniciais do seu nome.

Contra a opinião do parceiro importador, que propunha a implantação da fábrica no Sudeste, no Centro-Oeste ou no Nordeste, a Renault preferiu fixar-se no Sul do Brasil, onde eram indiscutivelmente melhores as condições de abastecimento, logística e vendas. Em março de 1996, o próprio presidente Schweitzer veio conhecer pessoalmente a área de 2,5 milhões de metros quadrados onde se iniciava a construção da fábrica. Foi uma visita histórica. Ao seu lado, entre outras figuras, estava Viviane Senna, irmã do piloto Ayrton Senna (1960-1994), cujo nome seria escolhido para batizar o complexo fabril montado entre os pinheirais de São José dos Pinhais, no Paraná. 

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