5G: uma revolução exponencial
Uma prova de que a tecnologia 5G revolucionará não apenas os negócios, mas também a economia como um todo, está nas estimativas iniciais de seu impacto. O 5G pode adicionar um ponto percentual por ano ao PIB brasileiro no período de 2021 até 2035, tornando-se um dos motores do desenvolvimento e podendo ajudar o país a se remontar depois dos estragos causados pelo coronavírus.
A pesquisa, elaborada em conjunto pela Nokia e pela consultoria Omdia, prevê que setores como governo, serviços, varejo, agricultura, mineração, indústria e, claro, comunicação, gerarão US$ 976,6 bilhões em impactos positivos para o PIB. No recorte global, o impacto médio será de 5% até 2035. As vendas habilitadas para 5G em todos os setores terão um impacto diferente, começando com um aumento de 2,2% até mais de 10% para as receitas de tecnologias da informação e comunicação (TIC). "O 5G será chave para a revolução da produtividade. Inclusive, algumas empresas vão passar a definir suas operações em determinados países de acordo com a disponibilidade da tecnologia, ou seja, se funciona ou não", sentencia Wilson Cardoso, diretor de soluções da Nokia para a América Latina.
Outra consequência econômica natural da disponibilidade do 5G será a necessidade da troca dos atuais aparelhos para smartphones que consigam receber os sinais de transmissão de dados. Comparando com a linguagem da informática, não adiantará de nada fazer a atualização do software, pois será preciso um novo hardware. "O primeiro grande impacto, logo após o 5G começar a operar, será no consumo, pois os brasileiros terão de trocar seus telefones para conseguirem usufruir de todas as utilidades. Algumas operadoras andam vendendo celular com 5G, mas não funciona ainda. Essa evolução terá uma curva de início e o preço tenderá a acompanhar o ritmo da demanda", avalia Renato Franzin, especialista em eletrônica e microeletrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).A Claro lançou no Brasil um aparelho cujo preço inicial é de R$ 5.500, mas, como o produto é subsidiado pela Motorola, o valor cai para menos da metade (R$ 2.200). Porém, há quem aposte que os smartphones poderão custar algo em torno de R$ 8 mil inicialmente. Em outubro de 2020, a Apple colocou à venda o iPhone 12, já equipado com a tecnologia 5G. O mini, o mais barato, custa US$ 699 (algo em torno de R$ 3.900), e o 12 Pro Max, da linha profissional, sairá pela bagatela de US$ 1.099 (R$ 6.130).
No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido antes que os equipamentos cheguem até as mãos dos brasileiros – e ele passa por um emaranhado de questões envolvendo infraestrutura, regulações, o leilão de frequências, entre outras. Antes é preciso pontuar os principais atributos do 5G. Na visão de especialistas, serão três campos atingidos: internet móvel de alta qualidade, que possibilitará novas experiências mais imersivas como realidades virtual e aumentada; comunicações de missão crítica que demandarão conexão muito estável, confiável e de baixa latência, como o controle remoto de infraestruturas críticas em fábricas, carros autônomos e robôs industriais; e a Internet das Coisas (IoT), que possibilitará a conexão massiva de sensores possibilitando a criação de novas aplicações em um grande número de indústrias como o agronegócio, cidades inteligentes, automação industrial de alta precisão e várias outras aplicações. A principal diferença da internet 5G é a menor latência, ou o menor tempo de resposta para transferir um pacote de dados na rede. A latência é diferente da velocidade. O 5G permite uma taxa de transmissão centenas de vezes maior do que a atual, com picos de até 20 Gbps e uma latência (teórica) de até 1 milissegundo – hoje, com o 4G, a latência está perto de 80 milissegundos. Já a capacidade de conectar dispositivos poderá abranger até 1 milhão de aparelhos por quilômetro quadrado.
"Será um salto muito grande em velocidade e qualidade. As pessoas não terão de esperar por mais nada. A interatividade poderá ser muito maior com os clientes que poderão usar mais serviços que serão liberados na rede. O 5G abre uma cortina de ações e os bancos vão estar atentos a isso nesse novo mundo", vislumbra Jorge Krug, diretor de tecnologia da informação e inovação do Banrisul. Ele prevê facilidades como reuniões através de vídeo em altíssima resolução – e sem o conhecido delay, aquele atraso entre o tempo de fala real e o sinal que chega na casa dos espectadores em uma transmissão ao vivo de TV.
Debate inócuo
Não há como negar que China e Estados Unidos protagonizam uma das maiores disputas envolvendo a tecnologia 5G. Mas a discussão faz parte apenas de um palanque político, pois do ponto de vista técnico inexistem diferenças substanciais entre ambas. Isso porque a União Internacional das Telecomunicações (UIT), organismo da ONU para o mercado de telecom, padroniza as especificações técnicas para essa tecnologia. No entanto, o que se pode ser motivo de acalorados debates é o preço – onde a vantagem é chinesa – e os protocolos de segurança de dados, porém especialistas afirmam que até mesmo esse ponto do debate seja inócuo.
A dúvida é se existe algum mecanismo feito propositadamente para ter acesso ao backdoor [uma porta de acesso ao sistema, criada a partir de um programa instalado que não foi autorizado pelo proprietário do sistema e que permite o acesso ao computador por pessoas não autorizadas], que não é um fato novo, aliás. Há cerca de uma década, a Cisco foi acusada de utilizar backdoors para ajudar o governo norte-americano a espionar empresas. "É difícil abrir um chip e fazer engenharia reversa dele, pois o nível de integração dos componentes é tamanho que essa tarefa é próxima do impossível. Só resta confiar", admite Franzin, da USP. Para ele, essa garantia de inviolabilidade só seria possível se uma fábrica brasileira dominasse essa tecnologia.
Alvo de ataques constantes nos Estados Unidos e também no Brasil, a Huawei enviou um recado aos seus críticos. Ao participar do Painel Telebrasil 2020, em meados de setembro do ano passado, Sun Baocheng, CEO da companhia chinesa no Brasil, declarou que era preciso trabalhar unidos com responsabilidade e tendo atitudes para pensar o Brasil para o Brasil, e não em função de outros países. O presidente Jair Bolsonaro tem sinalizado que poderia deixar a Huawei de fora da infraestrutura do 5G. A medida alinharia o Brasil com os Estados Unidos, que estão em constantes guerras comerciais com a China, na qual o 5G é uma das principais batalhas. Os americanos defendem que países aliados não comprem tecnologia da Huawei para o 5G, afirmando que o governo chinês de Xi Jinping pode usar o equipamento para fazer espionagem. Donald Trump chegou a proibir as teles americanas de adquirir aparelhos da gigante chinesa, mas teve de recuar por decisão judicial. No caso brasileiro, como em outros países, a prerrogativa para a escolha caberá exclusivamente ao presidente da república. O governo da Suécia, sede da Ericsson, a maior rival da chinesa, anunciou em outubro que vai proibir o uso de equipamentos das empresas chinesas Huawei e ZTE em sua rede 5G. A agência regulatória sueca afirmou que seguiu as recomendações das Forças Armadas e dos serviços de segurança do país para decidir banir Huawei e ZTE dos leilões, que foram adiados pós uma decisão judicial liminar que barrou barreiras colocadas contra a participação da companhia chinesa.
Também em outubro de 2020 o Banco de Exportação e Importação dos Estados Unidos (EximBank) e o Ministério da Economia do Brasil firmaram um memorando de entendimentos que prevê a oferta de crédito de até US$ 1 bilhão do governo norte-americano para financiar projetos em território brasileiro. Robert O'Brien, conselheiro dos EUA, afirmou que o financiamento terá como destino, especialmente, a área de telecomunicações e o 5G. Na mesma época, a embaixada chinesa em Brasília criticou os EUA por não quererem que a Huawei participe das redes 5G pelo mundo, pois os próprios norte-americanos não poderiam mais acessar sistemas de terceiros. Resta saber, no entanto, se Joe Biden, o novo inquilino da Casa Branca, manterá a política definida pelo antecessor ou se adotará uma posição mais flexível.
As operadoras estimam que suas redes operem com até 60%, em alguns casos, com equipamentos da Huawei. Por essa razão, as empresas têm defendido a massificação da tecnologia, de modo que os diversos aparelhos possam se comunicar entre si. Isso impediria a troca de todos os equipamentos, principalmente de 3G e de 4G da companhia chinesa hoje em funcionamento, caso a Huawei seja mesmo impedida de participar do leilão. Baocheng declarou em uma entrevista para o jornal Folha de São Paulo que o 5G custará mais caro no Brasil e que seus benefícios plenos só seriam atingidos em até quatro anos, pois os equipamentos de tecnologia anteriores não conversam com os dispositivos de 5G da concorrência.
Presente no Brasil há 22 anos, Baocheng citou no evento da Telebrasil a construção da fábrica da empresa em Manaus (AM) e afirmou que mais de 1 milhão de roteadores foram produzidos no ano passado. "Foram instalados mais de 10 mil elementos de redes para operadoras e facilitamos mais de 900 mil conexões de banda larga na região", revelou. Ainda de acordo com ele, o investimento realizado em TIC retorna 6,7 vezes mais do que em outros segmentos. "A economia digital vem crescendo 2,5 vezes mais rapidamente do que a economia tradicional", observou o CEO. Não sem razão, qualquer detalhe no tabuleiro ganha status gigantesco.
Milhões de antenas
Diariamente, o brasileiro sente na pele a falta de infraestrutura de comunicações no país. Basta sair dos grandes centros para cidades vizinhas ou mesmo a área rural para inexistir o sinal de 4G. Mais de 70% das propriedades rurais produtivas, por exemplo, não têm conectividade no país. Com a fibra ótica é o mesmo problema: calcula-se que mais de 1 mil municípios não oferecem o serviço. E até mesmo a geografia cria empecilhos. Para atender Manaus, a TIM utiliza um grande anel que sai de Brasília, passa por Belém, por Manaus, vai a Porto Velho e volta para Brasília. Ao todo são 5 mil quilômetros – e ainda é preciso cortar esses anéis para aumentar a capilaridade.
Para levar a nova tecnologia para todos os rincões, será necessário instalar novas antenas – todas de menor porte – em pontos não tradicionais, como postes de energia e outros locais. O Brasil soma pouco mais de 100 mil antenas no país, o que significa que, em média, as operadoras têm 20 mil unidades cada para cobrir todo o território. Na Itália, nação que tem metade do tamanho de Minas Gerais, a TIM possui 16 mil antenas. Estudos preliminares dão conta que será preciso multiplicar por cinco o número de antenas para que o 5G tenha boa infraestrutura – e elas serão menores que as atuais e terão de estar próximas.
A missão das teles será menos pesada, pois em setembro de 2020 o governo federal editou um decreto solucionando o impasse envolvendo instalações de antenas pelas prefeituras. Para as empresas, essa é uma das maiores barreiras para que a cobertura de telefonia avance, o que também atrapalha a chegada da quinta geração. Nos últimos dois anos, por exemplo, apenas na cidade de São Paulo, maior centro financeiro do país, empresas protocolaram mais de 1,8 mil pedidos de novas torres e antenas. Até o fechamento desta reportagem, apenas 90 haviam sido liberados. De agora em diante, as operadoras somente terão de informar para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em quais cidades desejam colocar os equipamentos, como cabos, centrais e antenas. Também será preciso contatar as prefeituras, porém elas ficam impedidas de cobrar pelo cabeamento em postes ou instalação de fibras sob vias públicas. O licenciamento ambiental, que costumava se estender por até mais de dois anos, passou a ter novas regras. Agora, vencido o prazo de dois meses pela secretaria municipal, a licença de instalação estará automaticamente aprovada. Em contrapartida, a infraestrutura instalada terá de ser compartilhada entre as teles mediante remuneração para quem for o detentor da rede. O compartilhamento, no entanto, só valerá para serviços públicos e não para a telefonia fixa, que está em desuso. Para outros serviços, como internet e telefonia celular, o compartilhamento segue a diretriz atual da Anatel, que permite cobrança pelo acesso às redes em locais onde uma concorrente precisa prestar o serviço, mas não quer investir na construção de sua própria rede.
Mesmo que exista uma regra nacional, Londrina está mudando a sua legislação para facilitar a implantação de antenas para o 5G. A Sercomtel, que atende a cidade do norte paranaense e outros 15 municípios, está à frente de um projeto que viabiliza "superpostes" para a colocação das antenas para cobrir toda a área do perímetro urbano. "Estamos cientes que o 5G vai exigir de quatro a cinco vezes mais antenas que o 4G e temos de flexibilizar", revela Tiago Caetano, diretor de engenharia e operações da Sercomtel, companhia que passou por um processo de privatização e foi vendida para o fundo de investimentos Bordeaux por R$ 130 milhões, valor que será utilizado justamente na expansão da infraestrutura. "Temos aplicações também para a área rural, como a cobertura de lavouras e de rebanhos que podem ser monitorados em tempo real por meio de drones", detalha Caetano.
Enquanto não há infraestrutura própria no país, as operadoras lançaram em suas redes capacidades 5G com as frequências existentes, baseadas em uma tecnologia chamada DSS (compartilhamento dinâmico de espectro, na sigla em inglês). A partir dela é possível compartilhar, de forma dinâmica, o espectro 3G e 4G não utilizado para prestar o serviço 5G. Porém, como este espectro não possui uma banda contínua e dedicada, a experiência do 5G ainda não poderá ser sentida em sua totalidade. A Vivo ativou a funcionalidade em oito regiões, inclusive em Curitiba e Porto Alegre, no Sul. A TIM oferece o serviço em três cidades: Bento Gonçalves (RS), Itajubá (MG) e Três Lagoas (MS). Em outubro, a Oi iniciou a operação comercial de sua rede 5G no Plano Piloto de Brasília, no Distrito Federal. Já a Claro começou a operar em alguns bairros de São Paulo e do Rio de Janeiro. "Estamos colocando em nossas torres atuais rádios mais modernos. Quando um aparelho habilitado se aproxima, o sinal 5G é enviado para o celular. Porém, quando tivermos a frequência 5G realmente será como colocar mais uma pista em uma freeway. Isso ainda vai levar tempo, pois precisamos colocar muitas torres para construir essa infraestrutura", explica Marcio Carvalho, diretor de marketing da Claro.
Os eventos de lançamento do 5G pelas operadoras, aliás, serviram de aperitivo do que a nova tecnologia será capaz de fazer. Na Claro, a piloto Karina Simões participou de um teste cego de direção, guiado pelo 5G. Em um carro com vidros adesivados e sem ter contato visual com o exterior do veículo, ela foi guiada apenas pela tela do smartphone instalado dentro do automóvel. Outros dois smartphones 5G foram instalados do lado de fora do veículo, enviando imagens em tempo real através da nova tecnologia. A experiência só é possível pela baixa latência, que permite que o celular funcione como a visão da piloto, que conseguiu executar as manobras no tempo certo e sem atrasos. A demonstração ilustra a evolução possível para carros autônomos no futuro, com mais sensores e a capacidade de cada veículo trocar informações com outros carros ou com rodovias e cidades inteligentes.
O 5G também será vital para o aumento da troca de dados entre máquinas, instalações, humanos e robôs, o que permitirá o desenvolvimento de uma logística inteligente, produção conectada de sistemas cyber-físicos e de comunicação máquina a máquina. A combinação dessas e de outras tecnologias digitais possibilitará o avanço da Indústria 4.0. Na visão de José Rizzo Hahn Filho, presidente da Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII), o 5G é o elemento que falta para que o país consiga colocar em marcha a Indústria 4.0 em sua essência. "Sensores colocados nas máquinas farão com que elas se comuniquem e gerem dados que serão levados para a nuvem, onde serão tratados para tomadas de decisão dentro da linha de produção", prevê. Atualmente, as redes wi-fi e até mesmo o 4G são muito lentos e não conseguem dar conta de tamanha demanda de tráfego de informações. Rizzo vê três vantagens da nova tecnologia: a velocidade da transmissão, que será até 25 vezes maior; a previsão e a certeza de que a informação chegará ao destino, sem perda de dados; e, por fim, a latência, que oferecerá um tempo muito menor de resposta.
Porém, o 5G sozinho não será capaz de fazer nada. Será necessário que outras tecnologias estejam interligadas, como Internet das Coisas (IoT) e análise de dados, por exemplo. "Cada segmento industrial terá uma velocidade para sua adaptação. Atualmente, a cadeia automotiva é uma das que estão mais avançadas. É muito comum a utilização de robôs na linha de produção", aponta Rizzo. O presidente da ABII já notou um aumento muito grande da adoção da Indústria 4.0 por empresas de bens de consumo, como alimentos, bebidas e cosméticos, setores defasados em relação a outros. "A mensagem já chegou aos executivos e o tema entrou na pauta estratégica. Eles se deram conta de que o modelo de negócio vai mudar um pouco. Um refrigerador que esteja conectado na internet, por exemplo, poderá receber manutenção preventiva", exemplifica.
Como joia, tabaco e bebida
Ainda que seja serviço básico, a telecomunicação é onerosa para os diferentes players da cadeia como um todo. Essa é uma das razões para que um celular custe tanto no Brasil, mas existem tributos que incidem sobre outros equipamentos essenciais para o desembarque da quinta geração. De cada R$ 100 gastos em telecom, aproximadamente R$ 55 são para pagar impostos. Não sem razão, há quem defenda que o país tenha capacidade para fabricar celulares em solo verde-e-amarelo. Isso garantiria, juntamente com uma carga tributária menor, que os valores ficassem mais acessíveis. Na China, é possível encontrar smartphones que custam US$ 150 (cerca de R$ 800). "Falamos de infraestrutura, mas não adianta construir e não ser acessível ao consumidor. Precisamos oferecer serviço e dispositivos mais baratos, pois hoje o celular é uma ferramenta de trabalho. É possível reduzir tributos e fabricar aqui já neste ano aparelhos tão baratos quanto os chineses no mercado nacional", constata Leonardo Capdeville, CTiO da TIM Brasil.
As empresas do setor têm uma das maiores cargas tributárias do mundo – no ano passado, foi de 47% sobre a receita líquida. Além disso, as alíquotas diferenciadas de ICMS por Estado sempre deixam o segmento entre as mais altas faixas de tributação. Fora o pagamento de taxas não utilizadas que contribuem para a oneração, como o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), e ainda o risco de tributação da IoT, que inviabiliza seu potencial de uso.
Porém, tudo leva a crer que a conta ficará ainda mais pesada, pois há uma proposta de reforma tributária do PIS/Cofins para a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que eleva a carga do setor em dois pontos percentuais, fato que vai, inevitavelmente, ter reflexo no consumo. "Precisamos reduzir a carga tributária, afinal, o setor não pode ter a mesma tributação que joia, tabaco e bebida. Vamos aproveitar a discussão da reforma tributária para inserir o setor de telecomunicações como infraestrutura básica", conclama Eduardo Ricotta, presidente da Ericsson.
O pedido de socorro parece ter eco nos corredores de Brasília. Vitor Menezes, secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações, concorda que a tributação atual, entre outras coisas, coloca os dispositivos de IoT no mesmo patamar dos celulares, algo que inviabiliza a tecnologia. "Ou zeramos o imposto ou não teremos a evolução do IoT no país. A questão tributária deve ser vista com maturidade e considerando a realidade dos Estados e dos municípios", reconhece. Para ele, há relação direta entre a redução de tributos e o aumento de arrecadação. "A questão do retorno garantido à redução dos impostos é real, mas precisamos entender como implementar e como levar essa mensagem aos gestores", enfatiza. Estudos revelam que a cada R$ 1 de redução de tributos pode gerar até R$ 3,50 em arrecadação a partir do aumento de produtividade e faturamento nas empresas. "Isso é retorno de Private Equity. Há uma racionalidade econômica aqui. Estamos falando da criação de uma plataforma de desenvolvimento que teria um efeito multiplicador de 3,5 para 1 para o próprio governo", defendeu Marcos Aguiar, sócio do Boston Consulting Group (BCG) em um debate acompanhado por AMANHÃ.
Aguiar também cobra que o Brasil tenha um programa de estímulos aos investimentos. Nos cálculos do BCG, o país vai precisar de R$ 100 bilhões a R$ 300 bilhões em aportes no setor na próxima década. Mas faltam garantias. Segundo ele, atualmente a indústria investe R$ 32 bilhões ao ano, mas o retorno sobre o capital empregado está abaixo de 10,5%. "Isso é retorno de um fundo DI e não tem o mesmo risco", compara. Por causa disso, ele defende mudar uma série de condicionantes, como a redução de cargas e tributos. "Há um conjunto de medidas do governo e do órgão regulador que precisam ocorrer em paralelo aos investimentos", cobra. E isso tem tudo a ver com o tão aguardado leilão das frequências – postergado para este ano em virtude da pandemia.
Bolso único
A Anatel informou que as condições ocorridas no ano passado – coronavírus e o adiamento do leilão – não vão afetar apenas o cronograma do edital, mas também terão reflexos em preços de referência e na abrangência dos compromissos de investimentos que serão exigidos como contrapartida. Na avaliação da agência, ao se realizar a precificação algumas variáveis são muito importantes, como o Capex projetado, que é afetado pela variação cambial, o custo do capital, as condições econômicas e as receitas projetadas. De acordo com Leonardo Euler, que preside a Anatel, a duração da parada por causa da crise da saúde pode afetar o planejamento. "Ainda não sabemos quanto da cadeia de suprimentos global poderá ser interrompida", reconhece. Porém, mais fatores poderão afetar a chegada do 5G, como o comportamento da demanda por parte do consumidor, que pode ver a nova tecnologia como boa, mas não necessária no momento. Para que a implantação possa se acelerar, Euler crê em casos de uso, como telemedicina e outros com realidades aumentada e virtual, que poderão gerar interesse pela nova plataforma.
Marcio Fabbris, vice-presidente de B2C da Vivo, apresenta a dimensão da importância do certame, tido como o maior do mundo. "O 5G é fundamental para a digitalização do Brasil e com potencial de mudar a forma como vivemos e como as empresas fazem negócios. Isso terá um impacto enorme na conectividade do mundo inteiro que impulsionará, de forma exponencial, a modernização de vários de setores da economia", detalha. Somando as frequências que as operadoras têm em uso hoje com 2G, 3G e 4G totalizam cerca de 600 MHz. O leilão multiplicará por seis – ou um pouco mais – o espectro atual. Basta imaginar as diferentes faixas de sinal como rodovias no ar por onde circulam os dados enviados e recebidos por dispositivos conectados como smartphones e computadores. Quando ocorre uma licitação de espectro, é como se estradas dessas estivessem sendo oferecidas à iniciativa privada.
A Anatel venderá 400 MHz – 100 MHz a mais do que o inicialmente previsto. Para isso, o órgão vai retomar 100 MHz da banda C das operadoras de satélite, que serão remuneradas pelas empresas que participarem do leilão. Com mais espectro, a Anatel contemplou, pelo menos em parte, o pleito das pequenas operadoras, que queriam acesso a esse espectro e menos obrigações. Conforme a proposta, serão leiloadas três licenças nacionais e duas regionais. Outro imbróglio envolvendo o 5G é a migração da TVRO (Television Receive Only) para a banda KU, tido pelas grandes operadoras de telefonia como um lobby que só interessa às emissoras de TV e que, segundo elas, vai propiciar a transferência de bilhões em recursos públicos para essas empresas. A mudança será necessária para que o sinal de 5G não sofra interposição das antenas de TV. Porém, as teles defendem que bastará utilizar filtros para mitigar a interferência. Com a utilização deles, seriam gastos cerca de R$ 500 milhões, enquanto a migração poderia atingir até R$ 3,5 bilhões. "Por utilizar frequências mais altas que as atuais, as novas faixas de espectro alocadas para o 5G exigirão a implantação de uma grande quantidade de antenas, para garantir cobertura e capacidade. Quanto mais alta a frequência, menor é o alcance e maior a necessidade de antenas de transmissão de sinal. A Claro está sempre em busca da inovação e tem contribuído nas discussões com Anatel para que se chegue a um modelo de leilão que seja isonômico entre todos os participantes", declarou a operadora em nota.
O grande calcanhar de Aquiles do leilão está na fatia que será destinada para a arrecadação. Para o setor, caso o governo opte por forrar o combalido cofre, haverá um novo atraso na implementação da nova tecnologia, pois as empresas terão de buscar aportes para investirem na infraestrutura básica. "Se cobrar mais pelo espectro, faltarão recursos para aumentar a cobertura do 5G. Os reguladores têm de se dar conta que o bolso [das empresas] é um só", cobra Ari Lopes, analista sênior da Omdia. É o que também pensa Eduardo Tude, presidente da Teleco, consultoria especializada em telecomunicações e uma das principais referências da área no Brasil. "O melhor a se fazer é investir em compromissos com a sociedade, pois há locais em todo o país onde há muito a fazer em questão de oferta de infraestrutura de telecomunicações", argumenta. Especialistas recomendam que o Brasil siga exemplos como o do Chile e de Portugal, que escolheram leilões com caráter não arrecadatório. No caso chileno, pelo menos metade dos recursos a ser aplicado pelas operadoras deverá ser destinado a aplicações no próprio setor.
Diante das cobranças das empresas interessadas no leilão, a Anatel tem reiterado que trabalha para que o certame seja o menos arrecadatório possível. Geanluca Lorenzon, secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (SEAE), também marca posição da pasta nesse ponto. "Não priorizamos o viés arrecadatório. O que vem primeiro é o cidadão brasileiro. O Ministério da Economia acredita que o 5G será excepcional para o desenvolvimento de novos modelos de negócios e vamos ver isto na economia como um todo", reitera. Ele também afirma que o governo trabalha com novas medidas – ainda não reveladas – e adiantou que haverá desoneração regulatória que impactará o leilão. "O Brasil vem passando por uma revisão regulatória muito importante, com o enxugamento das normas e uma série de medidas visando a desburocratização. Acreditamos em uma participação expressiva dos atuais grupos econômicos brasileiros do setor no leilão", projeta Vitor Menezes, secretário-executivo do Ministério das Comunicações (Minc), em entrevista para esta reportagem.
Enquanto o Brasil sofre para colocar em operação a quinta geração, países como a Coreia do Sul já se programam para oferecer o 6G. Os testes começarão em 2026 e o serviço deverá ficar disponível dentro de até dois anos. O plano visa alcançar uma velocidade 50 vezes maior que o 5G e reduzir a latência para 0,1 milissegundo. Como se vê, a tecnologia dá saltos gigantescos e transformará ainda mais empresas, economia e negócios. Natural para um serviço exponencial que pretende revolucionar tudo e a todos.
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