Interesse público, negócios privados
Quem conhece minimamente a cultura norte-americana sabe o quão é caro a certos segmentos dividir a humanidade entre ganhadores e perdedores. Assim sendo, aquele que consegue se notabilizar no trabalho e na vida social, é comumente etiquetado como "winner", o que não raro também pressupõe ter uma carteira recheada de dólares. Por outro lado, os que parecem ter ficado a meio caminho, seja pela inaptidão para ganhar dinheiro ou para "fazer a diferença" – expressão que a tribo consagra – serão automaticamente tidos como "losers". Como nem tudo está perdido na terra da esperança, traçados cruzados dessas trajetórias também são possíveis. Um fracassado que dê a volta por cima pode se tornar um "come back kid", e granjeará aplausos do Maine ao Oregon mesmo porque a perseverança e o instinto ganhador galvanizam o inconsciente deste grande país, como nos demonstra diariamente Hollywood.
Isso dito, é claro, o clã de Donald Trump tem todas as características para encarar o mundo segundo tal dicotomia. Assim sendo, para os jovens Donny, Eric e Ivanka – já nem falo de Tiffany ou do pequeno Barron –, feio é perder. Crescidos à sombra de um pai vicejado no negócio imobiliário em Manhattan, onde mais do que em qualquer outro lugar "the winner takes it all" (o vencedor leva tudo), parece evidente que jamais lhes sobraria discernimento ao interpretar liturgias de poder que, como sabemos, escapam à compreensão cognitiva do próprio pai. Faço esse longo percurso para explicar as razões pelas quais nem eles nem o primeiro genro – o discreto Jared Kushner – devem ter hesitado em atender aos acenos de Moscou para encontros secretos em que se desvelariam segredos de campanha de Hillary Clinton que poderiam decidir o futuro político do patriarca. Se algo ficará provado agora, não sei. Mas que podemos esperar novos deslizes, não há dúvida.
Não obstante essas espertezas aparentes, a Rússia começa a se dar conta de que o feitiço pode virar contra ela própria. Ora, para descaracterizar conluios passados, a Casa Branca precisará se mostrar isenta e até bastante dura com Moscou como forma de provar que não tem rabo preso com ninguém. Não é à toa que nada do muito que Putin esperava meses atrás vem acontecendo. Ou seja, as sanções continuam, o contencioso sobre a Ucrânia não foi engavetado e os escudos de mísseis da Polônia e da Romênia estão onde estavam há seis meses, quando o clã passou a ocupar a presidência. Ligados por sangue, dinheiro e poder, é lícito esperar que essa lógica de desfraldar o interesse privado a metros do epicentro do poder público, poderá custar dissabores imensos para o clã Trump. Assim visto, evidencia-se a tendência de que este ruma para dias turbulentos em que as energias se voltarão para a mera defesa do mandato.
Será que já vimos algo parecido em algum lugar?
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