Greta Thunberg e os Bálcãs
Tem pessoas que gostam mais de Zagreb, na Croácia, um lindo país que conta com pérolas marinhas como Dubrovnik, Split e Zadar – terra esta de um desconcertante e mavioso órgão do mar, que capta o ritmo das marés em solfejos sonoros. Muitas outras vão preferir a pequenina Liubliana, a sonolenta capital da Eslovênia, onde se harmonizam no caldo eslavo pitadas de cultura italiana e austríaca, e cujo slogan é "o lado ensolarado dos Alpes". Quem foi a Escopia, na Macedônia, uma encruzilhada de civilizações inaudita, perdeu o fôlego diante das montanhas ameaçadoras que assistiram ao maior sismo dos tempos do Marechal Tito, que um dia comandou com altivez a mais efetiva das federações balcânicas. Podgorica, em Montenegro, mal se destaca num país minúsculo, todo ele belo, cinzelado em torno de um lago celeste, e a serviço de escusos interesses russos – a crermos no que se ouve. Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, cheia de carma austro-húngaro e oriental, será sempre um lugar mítico, sagrado até para os judeus, que têm ancorada na cidade uma versão da Hagadá de Páscoa. Mas tendo-as visitado todas depois do esfarelamento da Iugoslávia – ademais de Pristina, no Kosovo –, tenho de admitir que Belgrado ainda é o grande polo dos Bálcãs.
Assim sendo, revê-la nesses primeiros dias de 2020 é reatar com 1978, quando cheguei aqui em pleno inverno, aos 19 anos, num longo périplo pelo Leste da Europa, que incluiu Berlim Oriental, Budapeste e Sofia. Moscou, Praga, Bratislava e Varsóvia ainda esperariam alguns anos, e as repúblicas bálticas eram virtualmente esquecidas. Lembro que aqui fiquei hospedado numa pensão ao lado do mercado de Zeleni Venac. De meu quarto, avistava as cúpulas axadrezadas, lembrando a cabeceira de um aeroporto. Do outro lado, assomava o minarete de uma mesquita, uma das primeiras que vi na Europa, o que propiciou a sensação de que me aproximava do Oriente. A história da fratura civilizacional que representam os Bálcãs é conhecida: é aqui que se esfregam as placas tectônicas dos cristianismos romano e ortodoxo – e do Islã. Estopim de crises mundiais, a começar pela Primeira Guerra, é na Sérvia – mais do que na Croácia ou na Eslovênia – que percebemos o quão distante essa parte do mundo está dos padrões europeus de convívio, o que a tem lançado por gravidade nos braços de Putin.
Nesse contexto, é grave a poluição do ar que se verifica nas cidades da região. Igual ou pior à verificada em Pequim ou Nova Déli, evita-se o aquecimento elétrico, que custa caro para uma população cuja renda média é de 500 euros ao mês. Assim, não é raro que se use o carvão e a lignita, e até queimem plástico e pneu, o que torna irrespirável o ar de Sarajevo, Pristina, Belgrado e Escopia – levando os idosos a se refugiarem nas montanhas em dias de pico. Se a assepsia nórdica levou a sueca Greta Thunberg (foto) a esbravejar contra os que lhe subtraíram a infância, que não venha ela por essas plagas sem o assentimento de seu monarca. O risco de um colapso nervoso seria alto. Até no interior do país, na estrada que leva à fronteira romena, veem-se milhares de sacos plásticos pregados à ramagem ressequida da vegetação e trechos de rios europeus que aqui são bastante poluídos, como é o caso do Danúbio. Quanto a mim, trouxe meus brônquios asmáticos para Belgrado sob a maior cerração que já vi. Por um momento, tive a sensação de estar na Garanhuns de minha infância, que Greta não conheceu.
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