Dois discursos em Yad Vashem
A chegada do voo Latam ao Recife por volta da meia-noite última não foi das mais fáceis. Tão forte era a chuva que desabava sobre a capital pernambucana que muitos dos passageiros, eu inclusive, chegaram a pensar que o piloto iria optar por João Pessoa ou Natal, o que provocaria um sério transtorno logístico. Enquanto dávamos voltas e mais voltas sobre a cidade embaçada, uma coluna de "O Globo" me chamou a atenção e me fez desviar o foco da delicada negociação que se estabelecia entre a cabine de comando e a densa camada de nuvens. Mais precisamente, tratava-se de um artigo de Dorrit Harazim em que ela comentava as primeiras incursões de Trump ao mundo, mais especificamente a Israel.
Vamos por partes, porém. Ainda no sábado, comentando com amigos os recentes assuntos da pauta político-econômica brasileira, não poupamos críticas à nossa elite dirigente. Pois bem, seria mais ou menos o que nos disse a jornalista ao falar do presidente americano: "A dificuldade em formular conceitos e expressar ideias não o impediu de chegar à Casa Branca. A impaciência misturada a um conhecimento limitado da história e um escasso respeito por passado e futuro, também não. Ele venceu com atributos de um operador do presente, fator mais urgente e consequente para seus eleitores". Até aqui há unanimidade analítica. Mas é ao falar da dimensão rasa de Trump que pensei na indigência política que grassa aqui e lá fora.
Nesse contexto, muito representativo do fenômeno, demonstrou ela, foi a visita que Trump fez ao Museu do Holocausto de Yad Vashem (foto), em Jerusalém. Eis o que o homem escreveu no solene livro de visitantes de um local tido quase por sagrado: "É uma grande honra estar aqui com todos os meus amigos. Muito incrível & não esquecerei!". Voilà! Foram 103 caracteres de Twitter. Meu Deus, quanta pobreza de liderança. Não digo sequer que Trump não possa vir a exercer seu poder para lograr, por vias tortas, o que outros bem intencionados não conseguiram no campo da paz. Tudo é possível em política. Não obstante, é estarrecedor ler um texto tão ginasiano e autorreferente. Que visão de mundo pode ter um homem desses? Como deveria se sentir a gosto com a escumalha de nossa classe política, se a conhecesse um dia.
Pela mesma ocasião, só para realçar o contraste, Dorrit Harazim cita o que Obama escreveu ao cabo de sua visita: "Nada se compara ao dilacerante poder deste lugar sagrado. Você pode vir aqui mil vezes, e cada vez o seu coração haverá de quebrar. Aqui vemos a depravação à qual o homem pode descer; o nascer da barbárie quando olhamos para nosso semelhante como inferior, menos merecedor de dignidade e vida. Vemos o tamanho do triunfo do mal quando, por um momento, pessoas de bem nada fazem". Na conversa já aludida da tarde do sábado, não víamos parâmetro narrativo para nossa miséria política. Pois bem, enquanto desembarcava sob o manto do aguaceiro, Trump conseguia ser mais primário, egocêntrico e infantil do que a maioria dos nossos.
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