A França não é só Paris
Imagino que 90% dos turistas que venham à França, visitem prioritariamente a capital. Destes, menos da metade deve sair da zona estendida de Paris. Na verdade, há de se supor que as pessoas fiquem tão mesmerizadas pela Cidade-Luz que prefiram aqui gastar seu tempo e seus euros, deixando para depois castelos, vinícolas, catedrais e o bucolismo rural. Seja como for, não é concebível que se chegue ao país para engrenar de imediato uma ida a Dijon, Avignon, Carcassone ou Arles. A menos que haja uma finalidade profissional específica. Ou então, ocorrerá se você já virou aquela curva em que as atrações dos grandes bulevares empalidecem diante das delícias da vidinha morigerada, que acontece em torno da praça provençal. Se for este o caso, você é dos meus.
Assim, embora Paris encerre muitas cidades dentro de si, e cada um de seus arrondissements irradie identidade própria, quem puder engrenar uma vida longe dos néons, tem tudo para curtir a França à margem da impessoalidade dos grandes centros. Conversar, por exemplo, não é exercício a que o parisiense se entregue facilmente. Já no Périgord, qualquer pessoa dá uma aula sobre como escolher um bom capão para a noite de Natal. "Evite o peru, Monsieur. A carne é muito ressequida." Em Colmar, não faltam experts em vinhos Riesling, especialmente na faixa de quem passou dos 50 anos. Na Normandia (foto), esteja pronto para ouvir aulas magnas sobre o Camembert. E no país todo, é claro, haverá uma interpretação distinta sobre a greve geral que assola o país nesta quinta-feira (5).
Eis aqui um nó difícil de desatar. Pois se há uma unidade monetária na Europa, como podem franceses se aposentar aos 62 anos, se na maioria dos países isso só acontece aos 65? O taxista parisiense é implacável. "Não é porque tenho 2 mil euros de pensão que vou ignorar a situação de quem ganha 900. O que se faz com 900 euros? Paga-se a moradia e ponto. Quinta-feira vou para as ruas engrossar as estatísticas. Somos governados por amadores. Voilà." Nesse ponto, sempre digo que a França e Pernambuco se assemelham. Em Recife ou Paris, não faltará quem creia que o Estado tudo pode – inclusive ignorar a aritmética. Que os ricos conspiram para perpetuar a pobreza e que os patrões demitem por sadismo, não por racionalidade econômica. Não é por acaso que nos irmana a alma latina.
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