O cenário do coronavírus em comparação a outras crises históricas
Após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar o coronavírus uma pandemia, as quedas do mercado de ações voltaram a se acentuar. Apesar de vários especialistas já esperarem essa notícia de elevação da Covid-19, os agentes econômicos se preocupam com a intensificação de medidas restritivas por partes de governos e empresas no mundo, que incluem quarentenas, fechamentos de fronteiras, cancelamento de voos, reuniões e conferências, hotéis e cruzeiros vazios, e assim vai. Isso pode exacerbar e acabar por intensificar a desaceleração no mundo, gerando uma recessão em várias economias. Mas como essa crise se diferencia de outras no passado? AMANHÃ apresenta, a seguir, um comparativo entre a crise atual e antigas, baseado em uma análise feita pela equipe da XP Investimentos.
As preocupações atuais se concentram, em grande parte, no cenário global. A principal dúvida, no entanto, é como essa nova ordem impactará as condições domésticas que, até então, estavam em processo gradual de melhora. Quatro pontos importantes caracterizam o momento atual: (1) apesar de bancos centrais e governos terem sido ágeis em propor medidas de estímulo à economia, hoje existe menos espaço para cortes de juros e para implementação de políticas fiscais; (2) as economias sofrem agora de choques abruptos de oferta e demanda quase sincronizados, mas o mercado ainda parece trabalhar com a hipótese de recuperação em "V"; (3) a situação fiscal do Brasil, apesar da aprovação da reforma da previdência, ainda não está resolvida; (4) por fim, as condições de crédito de pessoas físicas e jurídicas estão mais sólidas, com empresas menos endividadas. A situação ainda requer atenção, pois, apesar da solidez, a crise trará consequências negativas para o fluxo financeiro dessas empresas, e isso poderá acarretar uma situação mais restritiva no mercado de crédito.
Brasil: situação diferente do histórico
O Brasil está se tornando um país mais "normal", no qual choques externos abrem espaço para cortes de juros pelo Banco Central. No passado, o oposto era verdade - e os juros subiam fortemente toda vez que havia uma crise externa, gerando um grande impacto sobre as empresas. Investidores terão de sair da zona de conforto e tomar maiores riscos para terem retornos mais altos. Porém, vale observar que as incertezas elevadas devem manter a volatilidade do mercado muito alta no curto prazo, com potencial de queda adicional para o Ibovespa. Olhando o histórico de volatilidade global, pelo menos mais quatro meses serão necessários para a recuperação.
Atualmente, o cenário base ainda não é de recessão, mas o assunto chama atenção devido às altas incertezas. Comparando com a crise global de 2008, o cenário atual é diferente. A "crise do subprime" foi um intenso colapso financeiro desencadeado pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco que levou inúmeros bancos à falência. Ou seja, foi uma crise de balanço, na qual empresas, bancos e pessoas físicas quebraram e demoraram para sair da insolvência. Além disso, à época, os bancos centrais demoraram a agir, exacerbando a crise. Atualmente, vemos os órgãos mais ágeis, com algumas medidas de estímulo sendo anunciadas. Inclusive, o Banco Central norte-americano (Fed) cortou emergencialmente os juros no início de março.
Além disso, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, declarou que a Europa terá de anunciar uma série de medidas em caráter de urgência para se evitar um choque nos moldes de 2008. Assim, o Banco Central da Inglaterra também divulgou um corte de juros de 50 pontos percentuais, e Angela Merkel disse que a Alemanha está preparada para fazer o que for necessário para conter a crise atual. Já entre 2001 e 2003, a bolsa brasileira sofreu seguindo uma combinação de recessão global derivada dos atentados ao World Trade Center nos Estados Unidos e crise na Argentina, impulsionada pelo apagão do setor elétrico no Brasil. Outro agravante importante daquele momento foi o alto endividamento público brasileiro.
Já no Brasil, a recessão técnica de 2003 foi consequência de uma grande aversão a risco iniciada em 2001 e intensificada pelo forte movimento de alta do dólar, que levava consigo o endividamento público. No total, do pico ao vale, o Ibovespa chegou a cair 18% durante essa crise. No início de 2015, o economista Joaquim Levy, nomeado ministro da Fazenda no segundo mandato do governo Dilma, tentou levar adiante um plano enxuto de ajuste fiscal, mas a forte instabilidade política do governo frustrou qualquer tentativa de levar adiante o ajuste.
Com a desaprovação no Congresso da MP 694, que faria o governo federal economizar cerca de R$ 10 bilhões, o mercado começou a reagir de forma cada vez mais negativa às tentativas frustradas de endereçar melhor a situação fiscal do país. Como consequência, o real passou por um forte movimento de desvalorização, os juros começaram a subir, a taxa de desemprego e o déficit externo foram se tornando cada vez maiores e os efeitos logo foram sentidos de forma generalizada pela atividade econômica brasileira. O PIB brasileiro recuou 3,6% em 2015 e desacelerou 3% em 2016, sendo a maior retração econômica em dois anos seguintes na história recente do país. No total, do pico ao vale, o Ibovespa chegou a cair 35% durante essa crise.
*Com edição de Eduarda Pereira
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