A pioneira e a injustiçada
Na terça-feira de Carnaval, uma entrevista veiculada na Rádio Gaúcha, de Porto Alegre (RS), causou uma pequena comoção entre os ouvintes. Um ex-funcionário da Varig, autor de um livro sobre a companhia, fez despertar a memória afetiva de muita gente (ouça aqui). Lembranças da cordialidade dos atendentes, do serviço de bordo caprichado e da imagem da empresa gaúcha no Brasil e no mundo fizeram da tarde de 17 de fevereiro mais uma etapa da bonita reverência que, volta e meia, rende-se à "pioneira".
Bonita, mas incompleta. Antes de a Varig tornar-se a referência em serviço ao cliente e manutenção de aeronaves, embaixada informal do Brasil no exterior e motivo de orgulho de seus funcionários, uma outra companhia aérea, de origem carioca, detinha todos esses galardões e atributos: a PanAir. E a história de como uma passou o cetro para a outra não é nem um pouco edificante – e pode ser contabilizada como mais um dos crimes cometidos pela ditadura militar brasileira (1964-1985).
Quase um ano após o golpe militar, a PanAir teve suas linhas nacionais e internacionais suspensas por suposto risco de insolvência. Documentos da época contrariam completamente a versão do governo federal de que a companhia não detivesse recursos para honrar salários ou fazer a devida manutenção de seus aviões. A razão verdadeira da medida foi de ordem política: os proprietários da companhia eram amigos de João Goulart, presidente deposto, e de Juscelino Kubitschek, seu popular antecessor, adversários do regime. Em tempo recorde e sob pressão dos militares, um juiz decretou a falência da empresa no dia seguinte à suspensão de seus voos.
As linhas domésticas da PanAir foram transferidas para a Cruzeiro do Sul e as internacionais, para a Varig. Enquanto a companhia carioca recorria sem sucesso a todas as instâncias possíveis para reverter a violência de que fora vítima, uma nova geração de viajantes conhecia o Brasil e o mundo nas asas da Varig, ajudando a construir a fama da qual a aérea de Ruben Berta desfruta até hoje. E a PanAir caía no esquecimento.
Não dos proprietários e de seus descendentes, claro, que em 1995 levantaram a falência no STF, nem dos milhares de funcionários que se reúnem em um almoço de confraternização todos os anos. Tampouco do jovem jornalista Daniel Leb Sasaki, que recuperou a bela, triste e revoltante história da PanAir no livro "Pouso Forçado", nem do diretor Marco Altberg, autor deste comovente documentário.
Atualmente, a PanAir conta com um site oficial, em que registra sua história de contribuições ao país. Uma tentativa de fazê-la ganhar um lugarzinho na memória e nos corações de tantos brasileiros que, embora não a tenham conhecido, ao menos podem render-lhe justa e tardia homenagem.
Comentários: 1
Que ditadurinha foi o Regime Militar, o brando, que não fuzilou seus opositores no paredão, como fizeram as Ditaduras comunistas que duram até hoje, e deu no que deu. Viva os generais gaúchos!