Minorias barulhentas
Recentemente, a Amazon desistiu de instalar em Nova York um de seus dois novos quartéis-generais. Embora dissesse contar com apoio de 70% da população local, a empresa sofria a oposição de políticos insatisfeitos com os incentivos fiscais prometidos à companhia, bem como da vizinhança do terreno projetado para o escritório, temerosa das consequências sobre o trânsito e o preço dos imóveis na região (mais detalhes aqui e aqui.) O caso é bom para abordar uma peculiaridade do ambiente de negócios norte-americano: a da profissionalização de mobilizações coletivas.
Pode parecer estranho, mas, por lá, é possível contratar uma empresa para pressionar parlamentares via e-mails, forjar protestos com cartazes e megafones e espalhar peças de propaganda pela cidade, conferindo a ideia de elevada adesão a reivindicações de todos os tipos – basta pagar.
Não posso afirmar que a oposição à Amazon tenha o dedo de companhias assim, mas sabe-se que mobilizações anti-WalMart em algumas cidades dos EUA, inclusive NY, contaram com préstimos desse tipo, gerando uma aparente contradição: minorias poderosas fazem valer a sua vontade ao se travestirem de maiorias barulhentas.
O que as permite desempenhar esse papel é a diferença na distribuição de poder existente em uma democracia frente àquela presente em uma economia de mercado. Na primeira, cada cidadão é um voto, em uma alocação perfeitamente igualitária de direitos e deveres. Na segunda, não raramente poucos detêm recursos superiores a todos os demais somados, o que facilita sua tarefa de subverter as pretensas virtudes do jogo democrático.
É por isso que a praticamente todo o Estado Nacional confere-se o direito de redistribuir poder sob a forma da riqueza produzida, de maneira a reequilibrar a correlação de forças e a manter a democracia razoavelmente protegida. A limitação para o financiamento privado de campanhas eleitorais, no Brasil, é um exemplo recente de medida nessa direção.
Mas não só. Toda política de transferência de renda e de proteção social opera de forma semelhante, ao menos idealmente. Sim, "idealmente" – e o Brasil é contumaz descumpridor desse princípio, como deixa clara a recente proposta de reforma da Previdência e seu conjunto de regalias a militares, não por acaso categoria de origem do atual presidente da república.
Quem sabe, contratando uma empresa especializada, a maioria silenciosa de trabalhadores da iniciativa privada não consiga sensibilizar Executivo e Legislativo a, uma vez na vida, cortar na própria carne, e não na dos outros.
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