O que falta para universalizar o saneamento?
Os dois anos do novo Marco Legal do Saneamento Básico foram intensos: a atualização legislativa gerou momentos de euforia, rediscussão, surpresa, incerteza e, principalmente, aprendizado. Com a entrada da iniciativa privada na prestação de serviços do setor, muitos estados e suas companhias estatais responderam às mudanças tentando a todo custo manter sua posição privilegiada e, assim, prejudicando o serviço à população. Da mesma forma, a regionalização — que deveria ser uma solução adequada — acabou se tornando um instrumento na mão dos governos para darem uma sobrevida às suas empresas.
Os desafios não se encerram por aí. Nos últimos 25 anos, o governo federal, com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vem apresentando grandes dificuldades para levar soluções aos estados. Um problema marcante e que segue até hoje. Vejam que o programa de desestatização do BNDES iniciou em meados da década de 1990, mas somente agora conseguiu a adesão de três Estados: Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá.
O obstáculo à universalização também ocorre nas comunidades locais. Não há ainda consciência dos municípios de um fato central: a responsabilidade pelo saneamento é deles — e não mais dos estados, que há cinco décadas vêm se apossando dessa atribuição. Tanto os governadores como os prefeitos valorizam muito mais as outorgas, em detrimento das tarifas e dos investimentos em universalização. Essa postura caracteriza uma visão de curto prazo, focada em um mandato de quatro anos, e não em deixar um legado para o futuro. Infelizmente, de um modo geral, o programa político tem se mostrado eleitoreiro, e não resultado de uma concepção estadista.
Dificuldade também há entre os bancos públicos e privados para implementar o modelo de project finance adequado à realidade do saneamento. E detalhe: essas discussões iniciaram em 2007 com o novo marco regulatório. Não se trata de algo recente, que deveria gerar surpresa. A situação atual revela ainda o quanto estamos atrasados em regulação e o quanto temos a aprender. A tendência é de sempre buscar reinventar a roda, e não de aproveitar os avanços e lições já consolidados. Na gestão pública, foi desenvolvida muita expertise em controlar, fiscalizar e paralisar, em prejuízo à capacidade de executar. Por fim, no setor de saneamento, há muito discurso com pouco conhecimento e, ao mesmo tempo, poucas soluções com muito conhecimento. Um desequilíbrio que gera uma série de efeitos nocivos.
Todo esse aprendizado deve nos levar a corrigir as dificuldades e destravar as soluções reais — que passam, obrigatoriamente, por consolidar a responsabilidade e a regionalização municipal, ao invés da responsabilidade e regionalização estadual. Também é urgente priorizar as tarifas e a universalização, e não a outorga. Promover a visão de estadista de médio e longo prazo, e não de política eleitoral. Avançar na regulação a partir do aprendizado consolidado. Parar de discutir e rediscutir, focando na implantação do project finance.
E, finalmente, juntar todos — governos federal, estaduais e municipais, lideranças políticas, órgãos de controle e a sociedade — na implementação de soluções de saneamento voltadas para o interesse comum, e não o individual. Afinal, o novo Marco Legal do Saneamento Básico deve ser celebrado por seu objetivo principal: universalizar e qualificar a prestação desse serviço tão fundamental para a vida.
*Presidente da Cristalina Saneamento, de Porto Alegre
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