Um trabalho de reconstrução para recuperar empresas e manter empregos
A crise empresarial se instaura de duas formas: interna ou externa. Geralmente, a primeira é atrelada à gestão, direção, funcionários contratados e estratégias tomadas; enquanto a segunda tem relação com eventos desvinculados dos poderes de administração da empresa e de sua ineficiência — os quais podem ser de ambientes econômicos, conflitos armados, pandemias, catástrofes climáticas ou ambientais. O Rio Grande do Sul passa por uma crise humanitária, advinda de uma catástrofe climática que assolou diversas cidades gaúchas, devastando bairros, comércios, lares, estradas, histórias e vidas. As chuvas expressivas superaram qualquer tipo de previsão e as estimativas de alcance nos municípios, com inundações assustadoras.
Portanto, a gestão da crise no Rio Grande do Sul exige meios eficientes e atuação em conjunto do setor público e da iniciativa privada para que o estado possa ser reconstruído da maneira mais célere possível, até porque o privado tem se mostrado mais eficaz nos atos imediatos, sem a burocratização que o público impõe. No entanto, existem ações que são restritas ao poder público. Embora algumas alternativas tenham sido oferecidas momentaneamente a pessoas físicas e jurídicas — como suspensão das dívidas tributárias, adiamento de dívidas bancárias, saque calamidade e adiantamento de auxílios—, o soerguimento do Rio Grande do Sul necessita de meios estruturais de longo prazo.
O trabalho é de reconstrução: muitas pessoas e empresas perderam todos os bens dentro dos seus imóveis. Algumas, inclusive, perderam a própria estrutura de edificação do imóvel, levando negócios a fecharem por tempo indeterminado e cidadãos a se alojarem em abrigos. Infelizmente, os governos escolheram remediar em vez de prevenir. A partir de agora, a adoção de políticas públicas para minimizar o impacto econômico também deve entrar em pauta, especialmente insolvência empresarial e busca de crédito. A crise empresarial atinge para além do empresário, abrangendo os credores, trabalhadores, consumidores e toda a cadeia interligada à empresa.
O cenário é sensível. Os efeitos imediatos da crise podem ser percebidos, por exemplo, na necessidade de importação de arroz. O Rio Grande do Sul é o maior produtor do país e, além disso, responde por 6,5% do PIB nacional. Sendo assim, espera-se uma atuação conjunta entre municípios, Estado e União para fomentar o desenvolvimento humano, social e econômico neste período caótico. As pessoas precisam saber as prioridades dos governos, bem como a disposição de recursos e meios de execução. A medida provisória nº 1.218, publicada em 11 de maio, é destinada a ações emergenciais. Isso significa que o orçamento para reconstrução será debatido posteriormente — o que consubstancia, neste momento, tão somente especulação.
É crucial a adoção de política pública em relação à recuperação de empresas, não só direcionada à suspensão do crédito tributário e das dívidas bancárias. O momento requer maior concessão de crédito, relativização das garantias contratuais e realocação de ativos na economia. A preservação maximizada da cadeia de empresas é uma tarefa difícil, porém, necessária, tendo em vista que a crise se instaurou de forma exponencial. Está em jogo não só o desenvolvimento econômico, mas também o retorno e a melhoria de qualidade de vida das pessoas.Como se não bastasse mensurar os danos materiais e psicológicos, os trabalhadores ainda precisam enfrentar a incerteza de ter um emprego quando a água baixar. Do lado da empresa, busca-se a manutenção da fonte produtora, a preservação e o soerguimento, mediante a renegociação das dívidas e a concessão de crédito. O crédito é uma das bases de sustentação da economia, sendo fator indispensável para o desenvolvimento. Se ele possibilita o crescimento de empresas, sua ausência causa instabilidade. Isso porque se deixa de aportar investimentos e se dificulta o pagamento das dívidas.
A economia brasileira traz desafios complexos para qualquer negócio, complexidade maior ainda a partir da catástrofe climática do Rio Grande do Sul. Importante destacar que, antes mesmo das enchentes, o cenário não era dos melhores. Segundo a Serasa Experian, durante o ano de 2023, foram 321 pedidos de recuperação judicial, sendo 27 dos pedidos no Rio Grande do Sul. Em março de 2024, foram registrados 183 pedidos de recuperação judicial no Brasil, 94,7% maior do que em março de 2023. A tendência, portanto, é que esse número aumente de agora em diante. Estamos diante de uma crise severa, cujos efeitos no longo prazo ainda são desconhecidos. Todo esse cenário, portanto, exige uma atuação excepcional por parte dos governos — buscando resguardar ao máximo a atividade econômica, mitigar o impacto sobre as empresas e os trabalhadores.
*Advogado especialista em reestruturação empresarial do escritório SCA – Scalzilli Althaus
Veja mais notícias sobre GestãoBrasilEconomiaIndústriaRio Grande do Sul.
Comentários: