O dicionário de respostas
Leio que a decisão do governo federal de dividir o Ministério da Economia em quatro pastas tem causado preocupação. A medida "deve gerar divergências e maior lentidão no funcionamento da máquina pública. Áreas que precisam se comunicar voltarão a ficar separadas e sob comandos distintos. (...) A cisão da Economia pode gerar embates entre Fazenda e Planejamento, ou entre Fazenda e Indústria" (adaptado da Folha de S. Paulo, 08/01/23).
Curioso. Quatro anos atrás, quando Paulo Guedes unificou os ministérios, a preocupação era a oposta: estrutura tão mastodôntica sob o comando de um homem só não estaria fadada ao fracasso? Afinal, historicamente, Fazenda, Planejamento, Indústria e Gestão sempre estiveram separados. Desde a redemocratização, apenas Guedes e Zélia Cardoso de Mello, em 1990, os agruparam total ou parcialmente.
A questão interessa menos pelas expectativas quanto à (des)funcionalidade das pastas do que pela reflexão que propicia sobre gestão. Tal qual um técnico em eletrônica que substitui peças até ver um aparelho voltar a operar, no típico esquema tentativa e erro, estruturas centralizadas ou descentralizadas fazem parte do rol das experimentações organizacionais clássicas a respeito das quais não existe certo ou errado a priori: só testando para ver se funcionam. Da mesma laia são a divisão por produtos ou mercados, as equipes especializadas ou multidisciplinares, o comissionamento por lucro ou valor do cliente, a promoção por antiguidade ou mérito, a divisão do comercial por categorias ou regiões e o número de níveis hierárquicos de um organograma, por exemplo. A lista é longa, quiçá infinita.
Todos fazem parte do cinto de utilidades de executivos recém-empossados (principalmente os encarregados de turnarounds) e de consultorias. "Não organizar em torno disso; organizar em torno daquilo era a manobra básica da McKinsey", exemplifica o jornalista Duff McDonald (adaptado de "Nos bastidores da McKinsey", ed. Saraiva, p. 170).
Até alguns anos atrás, o mais explícito manual desse formulismo gerencial era a seção "Como fazer", da Exame. Nela, em tópicos curtos e numerados, a revista destrinchava decisões que (supostamente) tinham resolvido um sem-número de problemas de empresas, fossem elas multinacionais de commodities ou uma prosaica rede de confeitarias. Se colecionados e avaliados comparativamente, provavelmente mostrariam que a solução para uma companhia era justamente a raiz dos problemas de outra, e vice-versa; no fim das contas, prescrições definitivas dificilmente seriam extraídas das suas páginas.
"As situações que um produto (e por extensão, uma empresa) enfrenta num mercado não são infinitas. Se repetem. O que varia é a forma como as empresas abordam essas situações", dizia o publicitário Julio Ribeiro (1933-2018). Nem a forma de abordagem varia tanto assim, poder-se-ia acrescentar; tudo faz parte daquilo que um ex-professor meu chamava de "dicionário de respostas" da gestão: um corpo de conhecimentos tão empírico quanto sistematizado que, com muito boa vontade, constitui a tal "ciência administrativa".
E do qual volta e meia se lança mão, como não deixam mentir governos de todos os espectros ideológicos.
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