“Não adianta inovar usando estruturas velhas”
Entre as principais referências de inovação no Brasil, Susana Kakuta (na foto, com o microfone) é hoje CEO do Tecnosinos – parque tecnológico da Unisinos, localizado em São Leopoldo (RS). Antes dessa missão, esteve do outro lado do balcão: foi secretária estadual de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e de Minas e Energia, além de presidir o Badesul. Doutora em Sociologia, também liderou a então CaixaRS, dirigiu as operações do Sebrae/RS e coordenou a Unidade de Competitividade Industrial da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), entre outras passagens.
Esse sólido currículo – que une as perspectivas das empresas, do governo e das instituições – possibilita à executiva uma capacidade de análise abrangente sobre o cenário de tecnologia. Embora tenha uma intensa agenda de eventos internacionais, foi sua primeira vez na Web Summit. No evento, acompanhou palestras, conversou com diversas empresas e palestrou sobre a presença das mulheres no mercado de trabalho em um bate-papo promovido pela SAP. Entre um compromisso e outro, a CEO do Tecnosinos concedeu uma entrevista exclusiva para ao Portal AMANHÃ. Confira:
Como foi a experiência na Web Summit?
Há muitos anos, tenho participado de diversas feiras, especialmente mais genéricas de tecnologia. A Web Summit traz uma coisa que é muito nova: o frescor das startups. E conseguiu acertar muito no tom. Ao mesmo tempo que é uma demonstração do que se está fazendo hoje em tecnologia, tem também toda a parte dos convidados especiais, que trazem muita coisa portadora de futuro. É curioso ver, por exemplo, a grande matricialidade do tema da inteligência artificial, que está perpassando em tudo. É um lugar onde a gente pode experimentar o que está por vir nessa área.
Por que Portugal tem atraído tanta atenção do ecossistema de inovação?
Teve um processo tremendo de crise em Portugal. Quando entrou na União Europeia, teve de se submeter a um regime, e isso mexeu muito com a estrutura socioeconômica do país. Portugal e Espanha sempre tiveram indústrias marginais. ¬¬¬Não tinham uma tecnologia de ponta como a Alemanha. Isso fez com que aqui se sofresse mais economicamente. Há poucos anos, você passava por Portugal e enxergava lugares vazios para alugar, pátios e pátios de carros sendo devolvidos por pessoas que compravam e não tinham como pagar. Então, é muito acertado neste momento o país fazer uma convergência para uma outra solução de desenvolvimento. Tem uma oportunidade tremenda de colocar Portugal – que é do tamanho do Rio Grande do Sul – no centro da inovação tecnológica. Criaram uma série de políticas públicas para isso, e esse evento é uma das iniciativas que está ali dentro. Isso não só traz oportunidade de emprego direto nas áreas de surgimento de startups, mas pode inclusive reconfigurar toda uma área de formação de Portugal, com mais vocação para os setores de tecnologia. Isso só é possível quando se tem tamanho, políticas públicas. Comparando com o Brasil, temos mania de propor coisas novas, mas querer fazer isso com as ferramentas velhas, com um arcabouço legal velho. Então, não funciona. Uma das primeiras coisas que Portugal fez foi o governo entrar como sócio em negócios. Isso hoje no Brasil é inviável. Portugal mexeu com toda a legislação para se abrir empresas aqui, facilitar os negócios. Isso está dentro de um processo de reconversão econômica muito acertado, tanto que estamos aqui num evento de 70 mil pessoas com as principais marcas do mundo.
Quais lições Portugal oferece ao Brasil em inovação? Como podemos evoluir com base no caminho já trilhado por aqui?
O principal ensinamento a ser tirado daqui é de que não adianta querer fazer inovação com estruturas velhas. Se isso é uma lógica para o Brasil, é preciso pensar em novos mecanismos. Cito um exemplo: hoje, se queremos buscar investimento para inovação, eles ainda te pedem o prédio como garantia para o financiamento, sendo que intangível na área de tecnologia não é esse. As empresas não precisam de prédio. Você vai querer se beneficiar através de um programa de diferimento tributário lá, e o Brasil é todo complexo e está se questionando. Hoje, é mais fácil ter subsídio na área automotiva, porque todo mundo sabe o que é um carro, do que ter um programa para a área de tecnologia. As pessoas não conseguem nem compreender o conteúdo tangível dali. A grande lição que Portugal traz é: sim, é possível fazer a reconversão, mas precisa ter muita seriedade.
Esse patamar alcançado por Portugal em inovação se deve mais aos empreendedores? Ou o governo, com suas políticas públicas, teve um papel fundamental?
A frente se deu de duas maneiras. Primeiro, Portugal estava tendo uma evasão de jovens, pois estava alicerçado numa economia muito antiga. Então, quem se formava aqui ia provavelmente para outros países da União Europeia, até porque tem livre trânsito. Como gerar PIB num país que está expulsando? Essa força veio de duas pontas. De um lado, veio do governo, com a percepção de que tinha de mudar a matriz econômica, e a inovação ia ser um caminho, com a agregação de valor. E, de outro, os jovens, que encontraram uma bela bandeira para navegar de novo mundo afora. O momento mudou totalmente.
Você tem uma avaliação crítica sobre a falta de flexibilidade das leis no Brasil, dificultando, por exemplo, o trabalho por jobs – como ocorre em outras partes do mundo. Como uma maior flexibilidade poderia melhorar o ambiente de negócios no Brasil?
No Brasil, temos um problema na isonomia das relações do trabalho. Qualquer país do mundo na área da tecnologia, você trabalha no formato dos jobs: tem um projeto com início, meio e fim, a pessoa se dedica e depois compensa. Isso é um acordo entre as partes. No Brasil, não pode fazer isso. Se fizer, o empresário potencialmente vai ser punido. E tem o risco de, lá na frente, numa demanda trabalhista, ser cobrado de novo pelo empregado. Isso porque a legislação é frágil, não ancora isso. Então, como fazer com que o setor de tecnologia, como o de TI, concorra com Índia, China e Portugal? A Lei das Terceirizações ajudou um pouco. Foi um dos maiores avanços que tivemos no Brasil nos últimos tempos, pois impacta diretamente. As empresas de tecnologia não embarcam todas as especialistas; elas tomam especialidades. E isso antes não era permitido. Hoje, é possível inclusive terceirizar a atividade fim. Isso é legítimo. É uma mudança tremenda que aconteceu, e devem vir mais.
E o novo governo está atento a criar um ambiente mais propício à inovação? Ou a lógica ainda está antiga?
O Brasil está ainda trabalhando muito pouco seu futuro, sob a égide de não se tratar somente de diminuição de custos. Há duas formas de impulsionar uma empresa ou um país com problemas financeiros: reduzir custos e impulsionar receitas. Na parte das receitas, temos sido muito fracos. E a área da inovação ainda é pouco percebida, pois é muito matricial. É diferente de um setor como o automotivo, moveleiro ou coureiro-calçadista. O setor de tecnologia passa no meio. Em poucos casos, é possível definir em quantos por cento ele é significativo. Só que é vital para a economia e competitividade das empresas. Essa pouca percepção de que esse realmente é o motor para que o Brasil se torne competitivo mostra que estamos muito aquém nesse governo. Mas ele tem boas intenções. Assisti a uma apresentação do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e ele tem um caminho traçado que é legal, mas falta colocar instrumentos para ele. Um deles é recurso, porque não tem qualquer país que queira ter protagonismo no campo da inovação e tecnologia sem isso. É um movimento no mínimo bipartite, com empresários e governo.
Como o Tecnosinos busca se conectar a ambientes globais de inovação?
Viemos aqui com vários olhos. De um lado, para ver tecnologia. Como temos um ecossistema muito especializado, para nós interessa não replicar uma tecnologia, mas ajudar a trazê-la e dar inputs. O segundo é ver quais os movimentos que estão havendo. Soubemos, por exemplo, que a Nokia está implantando em Portugal um centro de inovação tecnológica. São movimentos globais importantes. O terceiro aspecto é posicionar o Tecnosinos, um parque global, com a presença de empresas importantes. A SAP é um exemplo: tem quase 1.300 funcionários e está começando seu terceiro investimento, com mais 800 vagas, tudo no Tecnosinos. Queremos, pelo mundo afora, que quando pensem no Brasil, pensem em nós.
Você tem uma participação intensa em eventos internacionais, estando por dentro das tendências. Como você imagina o mundo daqui a dez anos? Que grandes mudanças teremos a seguir?
A primeira delas é o crescimento constante da importância das áreas da Engenharia. Isso porque cada vez mais são matriciais. Hoje, para ter agricultura de precisão, utiliza-se sensores e drones. Isso mostra a presença da eletroeletrônica e da microeletrônica num setor tradicional. Dentro das engenharias, algumas tecnologias são mais portadoras de futuro. Uma tecnologia extremamente relevante é a inteligência artificial. É um passo sem volta, porque é hoje o que está na ponta da otimização da TI também. Quando se fala de qualquer solução tecnológica, seja hardware, seja software, já existe um perpasse direto da inteligência artificial. Outra tecnologia é a big data, que não estourou o tempo de vigência ainda. Toda parte de biociência também é muito portadora de futuro. E tem outra coisa que será extremamente importante daqui para a frente: o quanto que as outras ciências se relacionam com isso. É outro movimento futurista e difícil de ser feito. Para quem está ensinando Medicina hoje, não adianta mais ensinar a fazer a melhor das anamneses ou saber tudo sobre anatomia se ele não ajudar a desenvolver novas soluções tecnológicas. Passa a ser um insumo extremamente relevante. É só a partir de um médico bem capacitado que se vai desenvolver uma solução tecnológica de ponta. O mesmo se dá com a inteligência artificial na área do Direito. Quando se começou a falar em qualidade, lá atrás, era coisa de engenheiro. Mas, depois, começou a ser coisa de recursos humanos, porque a visão era muito mais ampla. Agora, vamos passar por um movimento muito parecido com esse. Tecnologia é tão importante para o contador que, se ele não estiver antenado, também ficará para trás.
*O Grupo AMANHÃ está presente em mais uma edição da Web Summit. A curadoria da cobertura tem a assinatura da BriviaDez, que promove uma missão ao evento.
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