Governadores do Sul debatem nova proposta da Previdência e Lei Kandir
Os governadores da região Sul participaram nesta quarta-feira (20), em Brasília, do Fórum de Governadores, que reuniu os chefes do Executivo dos 26 Estados e do Distrito Federal. A nova proposta de Reforma da Previdência elaborada pela União foi o principal tema da terceira edição do encontro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, comandou a apresentação do projeto e destacou que a concentração de poderes e recursos ao governo federal ao longo de quatro décadas trouxe problemas no âmbito econômico. “Governadores e o governo federal estão afogados pelas dívidas. Temos de reagir a isso e uma forma instantânea é um programa emergencial que estamos montando para antecipar recursos”, adiantou o ministro. Ainda de acordo com Guedes, a promoção de um pacto federativo descentralizando recursos por meio de reformas no país é o caminho para inverter a pirâmide que concentra recursos nas mãos da União. De acordo com o texto entregue à Câmara dos Deputados, os funcionários públicos com faixa salarial acima do teto do INSS teriam descontos previdenciários em seus contracheques entre 12,86% e 16,79%.
“(A mudança na Previdência) não vai conseguir resolver, porque, dos R$ 12 bilhões, a expectativa do Rio Grande do Sul não chega a 15% do que se poderia recolher com a contribuição extraordinária desse déficit. Mesmo assim, seria uma oportunidade de gerar uma receita para devolver à população em serviços o que está sendo canalizado para o sistema previdenciário”, destacou o governador gaúcho Eduardo Leite. Ele, que já havia garantido apoio “incondicional” à reforma, reforçou o posicionamento de que mudanças do sistema previdenciário são necessárias e urgentes, especialmente no que diz respeito ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e à alíquota de contribuição dos servidores estaduais, para reduzir o efeito negativo das aposentadorias nas contas públicas. “O Rio Grande do Sul, que já tem a alíquota máxima estabelecida de 14% (na contribuição do funcionalismo), é deficiente em R$ 12 bilhões anuais. São R$ 12 bilhões anuais que a população gaúcha paga em impostos, que deveriam voltar na prestação de serviços, em investimentos, segurança, educação, saúde, mas deixam de ser investidos nas necessidades dos gaúchos para sustentar um sistema previdenciário para o qual não houve contribuição suficiente para fazer frente à demanda que ele tem. Então, a possibilidade de uma contribuição extraordinária daria condições de o Estado aliviar esse déficit”, afirmou o governador após o encontro.
O governador Carlos Massa Ratinho Junior, do Paraná, ressaltou importância da integração entre os Estados para definir pautas em comum para discussão com o governo federal. Além da reforma da Previdência, foi discutida a manutenção das compensações da União em função de desonerações no ICMS de produtos destinados à exportação (Lei Kandir). A lei também foi objeto da reunião de Ratinho Junior com os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). “É um tema muito importante para o Paraná. Essa questão vai voltar ao Congresso e os Estados não podem ter nenhum tipo de prejuízo”, sustentou o governador. A preocupação dos governadores leva em consideração um parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) que recomenda a interrupção dos pagamentos. Os Estados querem que a União reconheça e pague uma dívida de R$ 39 bilhões anuais. A União só estaria disposta a pagar R$ 3,9 bilhões. As perdas para o Paraná alcançam R$ 50 bilhões nos últimos 22 anos.
Criada em 1996, a Lei Kandir determina que a União compense os Estados pelo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) que deixa de ser arrecadado com a desoneração de produtos exportados. O objetivo era estimular a competitividade. Como o ICMS é um imposto estadual, os Estados passaram a arrecadar menos ao longo dos anos. A União compensaria a perda, mas os valores nunca alcançaram as projeções dos governadores. O projeto que aguarda votação na Câmara dos Deputados obriga a União a entregar anualmente R$ 39 bilhões a Estados e ao Distrito Federal. O valor foi calculado pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que reúne secretários estaduais de Fazenda. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, defende que o assunto volte ao Congresso Nacional para ser estabelecido pelos legisladores.
Um estudo realizado pelo Instituto Rui Barbosa (IRB) revela que as desonerações impuseram perdas bilionárias aos Estados entre 1996 e 2016, na casa de R$?548 bilhões. Sobre as perdas paranaenses, o relatório indica um valor não repassado de R$ 46 bilhões. Desse montante, 25% deveriam ser destinados aos municípios. Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Pará, em documento anexado na reclamação ao STF, a diferença entre a compensação paga pelo governo e o quanto as 27 unidades da Federação arrecadariam de ICMS de setembro de 1996 a junho de 2018 chega a R$ 637 bilhões. O Paraná deixou de receber R$ 54 bilhões. O governador Carlos Moisés da Silva, de Santa Catarina, também esteve no encontro no STF. A matéria é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 25, julgada pelo Plenário em novembro de 2016. “Santa Catarina recebeu somente R$ 51,4 milhões em 2018, mas se sabe que a perda é muito maior, pois o Estado é grande exportador de fumo, madeira serrada, carnes e ainda precisa ressarcir os créditos de ICMS acumulados na produção destas mercadorias”, argumenta o governador catarinense.
Inicialmente, a Constituição da República afastava a incidência do ICMS nas operações de exportação apenas de produtos industrializados. Em 1996, a Lei Complementar 87/1996 estabeleceu a desoneração do ICMS sobre as exportações de forma mais ampla para abranger também os produtos in natura e semi-industrializados. E, para compensar os estados e os municípios, criou um sistema de repasse de recursos da União. Em dezembro de 2003, a Emenda Constitucional (EC) 42 acrescentou o artigo 91 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dispositivo prevê que o montante do ressarcimento deve ser definido em lei complementar e que 75% do repasse da União a cada Estado caberia aos governos estaduais e 25% às administrações municipais. Estabelece ainda que, após a edição da lei complementar, o percentual destinado aos Governos dos Estados seria elevado a 80%.
Na ADO25, ajuizada em 2013, o governo do Pará sustentava omissão do Congresso Nacional na edição da lei complementar prevista na EC 42 e pedia que o STF determinasse a adoção imediata das providências legislativas necessárias à sua elaboração. Outros 13 Estados se juntaram à causa, entre eles Santa Catarina, na condição de amicus curiae [quando uma pessoa ou entidade que é chamada ou se voluntaria a intervir em determinado processo em que não está envolvido, com o objetivo de apresentar a sua opinião sobre o assunto debatido em Tribunal] no processo, pois o tema é de interesse geral dos entes federados (Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Sergipe). “É importante que o Supremo Tribunal Federal resolva definitivamente sobre a obrigação da União de ressarcir os Estados pelas perdas decorrentes da falta de regulamentação da Lei Kandir. Está em questão o equilíbrio e a cooperação no Pacto Federativo”, ressaltou Célia Iraci da Cunha, procuradora-geral do Estado (PGE/SC).
Em novembro de 2016, ao julgar procedente a ADO25, o Plenário do STF declarou a mora do Congresso Nacional e estabeleceu prazo de 12 meses para a edição da lei complementar. Caso isso não ocorresse, caberia ao TCU fixar em caráter provisório o montante total devido e a cota devida a cada ente federativo, até a edição de lei. Próximo do término do prazo determinado, a União peticionou nos autos pedindo que fosse prorrogado por 24 meses ou, alternativamente, que fosse reconhecido que o prazo começou a contar após a publicação do acórdão (18/8/2017), com a prorrogação por mais 12 meses. O Estado do Pará, autor da ADO, defende a impossibilidade da prorrogação de prazo e sustenta não haver fundamento quanto ao pedido prorrogação por 12 meses a contar da publicação do acórdão, uma vez que a jurisprudência do STF entende que o prazo começa a correr a partir da publicação da ata da sessão de julgamento (14/12/2016). Também em petição nos autos, o Estado de Minas Gerais pediu que o TCU seja notificado para começar a dar cumprimento à decisão, tendo em vista o término do prazo.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou, também nesta quarta-feira, que concederá mais um ano para que o Congresso Nacional delibere sobre a compensação financeira aos estados pelas perdas de arrecadação provocadas pela Lei Kandir. “A gente quer é superar a omissão. Eles pediram 24 meses e estarei deferindo 12 meses a partir de agora para que se tabulem novas negociações”, disse Mendes a jornalistas.
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