Consumidor tem assento?
Muitos anos atrás, o diretor de uma empresa de inteligência de mercado anunciava as ambições da companhia: ter assento no conselho de administração de seus clientes mais importantes. O objetivo não era sem razão de ser. Como uma organização especializada em conhecimento sobre o consumidor, graças à expertise em database marketing, CRM e pesquisa de mercado, seria razoável que sua voz fosse ouvida na hora da tomada de decisões por negócios B2C que fizessem parte de seu portfólio.
A empresa não existe mais, mas as pretensões do tal executivo, hoje, parecem se concretizar, ainda que de forma um tanto quanto diferente. No lugar de uma firma de inteligência de mercado, integram os conselhos de administração celebridades supostamente antenadas ao que o consumidor médio pensa ou quer. É o caso de Gisele Bündchen na Ambipar, e Anitta, no Nubank (leia aqui).
A nomeação de Anitta foi a mais rumorosa. David Vélez, fundador do Nubank, justificou-a de forma bastante razoável. "A gente não falava do consumidor no nosso conselho. Falava de números, mas não de experiências, porque muitos dos nossos conselheiros não estão no Brasil (...). Jeff Bezos diz que nas reuniões internas da Amazon deixam uma cadeira vazia e imaginam que o consumidor está sentado nela. No nosso caso, não está vazia, e temos um consumidor lá" (Época Negócios, agosto 2021, p. 64).
Anitta é conhecida como uma marketeira esperta e intuitiva, e não duvido que ofereça, sim, bons insights ao board do Nubank. Mas chama a atenção que ocupe um lugar que poderia ser de um executivo de empresas especializadas em conhecer o consumidor, como institutos de pesquisa ou de data analytics.
Dá a entender que o olhar que esses especialistas poderiam oferecer já está suficientemente incorporado pela organização, e o que se precisa é uma perspectiva menos formal e mais criativa – e, por consequência, mais personalista também. A inteligência de mercado, a essa altura, já parece ter virado commodity.
A reação do mercado financeiro e de parte da clientela, que rejeitou a indicação, talvez se deva à maneira como ela foi efetuada, de supetão. Nesse sentido, o colunista Fabrizio Gueratto tem razão. A escolha estaria mais revestida de legitimidade se houvesse um storytelling a precedê-la.
"O grande erro (...) foi a falta da construção de uma história em volta da cantora para ela se tornar uma referência de mercado financeiro e após isso ser incorporada ao banco. Ou seja, era necessário falar de educação financeira em suas redes sociais, (...) e ir fazendo com o que seu público fosse se acostumando (...)" (texto na íntegra aqui).
No mais, decisões como essa e tantas outras, em que celebridades vão além da mera gravação de comerciais em seu envolvimento com certas empresas, pode ser vista como uma consequência dos tempos digitais. Hoje, qualquer usuário de rede é uma mídia potencial, com sua própria carteira de clientes (chamados de "seguidores"), informação em tempo real sobre seus comportamentos e fácil monitoramento dos humores do mundo.
E celebridades não apenas são ativas nas redes, como também montam estruturas profissionais para gerenciá-las. Tornaram-se, à sua maneira, conhecedoras do consumidor, exclusividade que antes cabia aos veículos tradicionais e às empresas especializadas, como a do executivo citado no início do post. Que, por sinal, a essa altura estaria cedendo seu lugar no board de alguma companhia para uma cantora, modelo ou atriz.
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