A bola também entra por acaso
Quando a Alemanha venceu a Copa de 2014, passando pela Seleção Brasileira com um acachapante 7 a 1, jornalistas locais gastaram tinta, bytes e saliva para explicar o sucesso germânico. Tudo derivava, segundo eles, de uma estrutura profissional na qual a racionalidade e o planejamento se sobrepunham ao compadrio e à improvisação típicos da "família Scolari" e da CBF, ambas irremediavelmente superadas pela evolução do futebol.
Esqueciam-se que, naquela mesma Copa, os alemães sofreram para eliminar a modesta Argélia e teriam perdido a finalíssima para uma Argentina igualmente desorganizada e sanguínea não fosse o futebol caprichoso e a arbitragem, duvidosa – o que seria suficiente para desmontar a tese elaborada a posteriori segundo a qual vence quem melhor se prepara. Mas a heurística da disponibilidade prevaleceu e, diante de uma taça e de uma goleada histórica, não havia contestação possível: Thomas Müller, Mario Göetz e Manuel Neuer eram os nomes do verdadeiro país do futebol.
O tempo passou e a Alemanha completou, semana passada, seu segundo mundial seguido de eliminação na primeira fase, aquela na qual costumam cair as seleções do terceiro mundo do futebol. Some-se a isso a falta de títulos nas Eurocopas e na Liga das Nações disputadas nos últimos oito anos e a pergunta parece inevitável: eram esses os caras que deveríamos imitar?
Não, esta não é uma diatribe oportunista contra o comentarismo esportivo nacional. Apenas a constatação de que nosso conhecimento sobre determinadas coisas é superficial e unicamente fundamentado em suposições de causa e efeito aparentes – quando, na prática, o desconhecido e o aleatório trabalham tanto quanto qualquer outro fator para dar rumo aos acontecimentos. Encontrar porquês para vitórias e derrotas conforta nosso desejo de compreensão da realidade e de explicação do mundo, mas nem de longe representa uma verdade definitiva.
E não apenas no esporte, evidentemente. Se há algo com que o futebol se parece é a economia e os negócios. Há em todos eles princípios, lógicas e racionalidades mínimos, mas insuficientes para explicar a totalidade dos fenômenos que abrangem. A ambiguidade causal – isto é, aquilo que resta obscuro e pouco compreendido – é uma constante inevitável dos três e de tantas outras atividades da vida.
Daí a necessidade de uma boa dose de cautela ao interpretar o opinionismo de "analistas" instalados em redações (incluindo blogs, hein!), bancos de investimento, agências de risco e consultorias. Sob o manto das certezas professadas em microfones e em textos bem construídos há, não raras vezes, mais qualidade retórica e literária do que analítica – quando não, interesse puro e simples.
O ex-presidente do Internacional, Vitorio Piffero, pareceu um tanto quanto simplório, para não dizer cínico, quando disse que "planejamento é quando ganha" (relembre aqui). Mas falava com propriedade: como dirigente de futebol, viveu o céu e o inferno; e provavelmente no seu íntimo sabia que, em um e outro, tinha agido de maneira semelhante – mas desafortunadamente, no segundo, a bola resolvera não entrar.
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