Fernandinha in English

Sem o inglês dela não estaríamos na reta final do Oscar
O televisionamento das participações de Fernanda em talk shows pode turbinar o aprendizado de milhares de brasileiros e a libertá-los da armadura única do português

1 – Nós, brasileiros, não somos grandes linguistas. Pelo contrário, é quase inconcebível o quão nossas elites não incorporaram ao seu acervo o conhecimento de um segundo idioma, para não falar de um terceiro ou de um inverossímil quarto. É parte da cultura insular.

2 – Refiro-me às elites – intelectuais, financeiras, sociais – porque se espera que quem tem suas necessidades básicas saciadas (Maslow, lembram?) estará mais apto a absorver os requififes culturais que, para os carentes, seriam mais inacessíveis.

3 – Em nosso desfavor, se podemos dizer assim, prevalece a uniformidade cultural que nos leva a falar a mesmíssima língua desde a fronteira venezuelana até a uruguaia, o que reduz sobremodo nossa habilidade em pensar "diferente" numa imensa faixa continental.

4 – O que quero dizer? Ora, na África há gente que fala cinco idiomas locais. Na parte oriental do continente, além dos dialetos e de uma ou duas línguas europeias, há os que falam suaili ou mesmo árabe. Na parte ocidental, o hausa ou o iorubá. No centro, o fulani.

5 – Isso confere plasticidade mental ao falante, mesmo que ele seja um homem da rua, sem veleidades intelectuais. O mesmo vale para a Índia onde as pessoas podem falar hindi, tamil, bengali, urdu, gujarati, punjabi, beloshi entre outras. Nas cidades, é raro quem não fale inglês.

6 – Para nos atermos aos gigantes, nos tempos da URSS havia imensa diversidade linguística dentro do Império. Lituano, georgiano, armênio, quirguiz ou estoniano nada tinham a ver entre si, daí o russo funcionar como língua franca, como amálgama. No Brasil, não há isso.

7 – Pelo contrário, a força homogeneizadora da televisão achata os sotaques regionais. As novelas podem levar as pessoas a incorporar gotas de vocabulário mineiro, carioca, paraibano ou paraense – por assim dizer. Mas nada que mexa com a estrutura de pensamento.

8 – Quando você fala italiano, por exemplo, ou alemão, o que quer que seja, você não está só substituindo palavras pelos seus sinônimos. Você vai aplicar à frase como um todo um tom, uma cadência, uma construção e um viés que podem ser estranhos ao português.

9 – É como se a nova língua já trouxesse válvulas de libertação e moldes de engessamento próprios que anulassem a adaptação pura e simples de palavras e sentenças. Não é que você "deixe de ser" quem é. Não é um exercício de "despersonalização". É outra coisa.

10 – Mas vamos nos ater ao mais simples e pensar que apenas comunicar já estaria de bom tamanho. Vejam o caso de Fernanda Torres na campanha sem trégua por uma estatueta no Oscar – o que terminou por beneficiar o filme que, fatalmente, sairá premiado.

11 – Sem o inglês dela – e, secundariamente, o de Walter Salles e o de Selton Mello –, não estaríamos na reta final do prêmio, com chances reais de levar o troféu, além do que já levamos. Idioma é um instrumento poderoso, não é uma frescura. É arma, não é um requinte.

12 – Isso não é banal. O Brasil não é grande fã de outras línguas. Nos telejornais, seria fácil legendar as falas estrangeiras e deixar que se ouvisse a mensagem na língua original. Seria treino para os novatos e deleite para quem fala o idioma. Mas a praxe manda dublar.

13 – Convivi ao longo da vida com elites do perfil a que me referi acima. Era vexaminoso ver como figuras expressivas de nosso PIB falavam inglês como ginasianos. Disparavam frases curtas, não sabiam conectá-las e muito menos desenvolver um raciocínio complexo.

14 – Sim, um raciocínio complexo. Nem tudo pode se reduzir a "the book is on the table." E tem mais, muito mais. Falar uma língua estrangeira – entendê-la, apreciá-la, brincar com ela – é ser outra pessoa, entrar numa sintonia especial com um meio cultural.

15 – Como sou grande otimista, imagino que o televisionamento das participações de Fernanda em talk shows pode turbinar o aprendizado de milhares de brasileiros e a libertá-los da armadura única do português. Não é abrir mão da soberania, senão ampliá-la.

16 – Um lembrete final; "A língua exerce um poder escondido, como a lua sobra as marés", disse Rita Mae Brown. Murakami diz: "Aprender outras línguas é como nos tornarmos outra pessoa". Agora vamos ouvir o que você tem a dizer. Estou pronto.

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Comentários: 1

JOAO CARLOS DE AGUIAR em Terça, 11 Fevereiro 2025 14:04

Olá Fernando, boa tarde!!!
Simplemente magnífico seu artigo. Cheio de provocações excelentes para que vislumbremos ampliar nossa cultura. Concordo plenamente que podemos nos tornar melhores pessoas quando aprendemos um novo idioma. Abre nossa mente para além da linguagem sempre que pudermos aproveitar ao máximo a cultura e todas as suas diferenças. Diferenças estas que são puras manifestações de nós mesmos.
Parabéns por nos instigar e espero que seja lido por muitas pessoas.

Olá Fernando, boa tarde!!! Simplemente magnífico seu artigo. Cheio de provocações excelentes para que vislumbremos ampliar nossa cultura. Concordo plenamente que podemos nos tornar melhores pessoas quando aprendemos um novo idioma. Abre nossa mente para além da linguagem sempre que pudermos aproveitar ao máximo a cultura e todas as suas diferenças. Diferenças estas que são puras manifestações de nós mesmos. Parabéns por nos instigar e espero que seja lido por muitas pessoas.
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Sexta, 21 Fevereiro 2025

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