A pedagogia do fracasso
Quando o dia amanheceu, despertei com as seguintes frases a martelar: "Meus fracassos foram minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu". Mais parecia que elas tinham vindo em sonho, o que não me espantaria. Pois bem, só agora no começo da tarde me ocorreu quem poderia ser o autor delas. Ao consultar, constatei com alegria que era ele mesmo, o professor Darcy Ribeiro, um camarada até muito festejado e querido, que não pontifica alto em minha galeria de simpatias – talvez por dele conhecer tão pouco –, mas que desta vez acertou em cheio meu estado de alma. Sim, certas horas é melhor fracassar e estar do lado certo do que estar na pele dos que triunfaram, mas simbolizam o mal, o retrocesso, a perfídia e o dolo.
Ainda que esteja amargurado com um certame de domingo (18), desses que assinalam nossa cota de engajamento cívico, hei de admitir que ele está fadado a rápida cauterização, quando comparado a fracassos muito mais estrondosos com que me deparei na vida. O primeiro deles foi não ter conseguido namorar com uma menina de minha escola. Acho que cerquei-a durante uns dois anos, provocando encontros fortuitos de toda ordem e tentando despertar o interesse dela. Ficamos num tremendo zero a zero. Apenas anos mais tarde, já bons amigos, eu lhe confidenciei minhas manobras. Ela sorriu, disse que nunca percebera para valer, e que ainda era tempo. Mas então a janela da paixão tinha ficado para trás. Entrementes, ela namorara uns caras tão sem graça.
O segundo grande fracasso que calou fundo em meu espírito foi a derrota da Seleção Brasileira no estádio do Sarriá, em Barcelona, no dia 5 de julho de 1982. Estava então no restaurante da fábrica onde trabalhava – e onde ainda hoje tenho amigos que estavam no mesmo recinto –, quando perdemos aquela partida inverossímil para a Itália. Da mesma forma que eu teria vergonha de estar no time vencedor daquela tragédia, tampouco pensei em deixar de ser quem era para estar na pele de um dos namorados da pequena musa. Fracassei também mais adiante, quando arranquei a amante de um cara e a trouxe para morar comigo. A briga virou quase pessoal e me vi obrigado a levar a ferro e fogo uma relação que podia ter sido fortuita, mas que carreguei por 20 longos meses.
Meus demais fracassos foram todos imobiliários, se pensar bem. Todos os apartamentos que comprei (3) e casa (1) só serviram mesmo para terceiros. Eu entrei com o dinheiro e eles com o prazer. No primeiro apartamento, ainda morei uns meses. No segundo, umas semanas. No terceiro, sequer isso, ficou na planta. E na casa, bem, ela ficava lá no litoral de Pernambuco e só me trouxe aborrecimentos. Toda semana tinha despesa de manutenção e menos mal que meus primos a frequentavam de vez em quando, apesar de minha ausência. O que não revendi com prejuízo, leguei a terceiros que, mais tarde, ateariam fogo no dinheiro. Tanto assim é que há 25 anos alugo os lugares onde moro e com isso estanco a dor de cabeça. O lado pedagógico é que descobri que não nasci com o fetiche da posse.
Os demais fracassos foram suportáveis: derrotas do Náutico, memoráveis surras eleitorais (e sempre saí revigorado delas porque estive do lado do bem), e uma ou outra coisa no mundo dos negócios que não dependiam só de mim, mas que por algumas vezes nem sempre estive alinhado com o time vencedor. Mas isso tampouco é de grande gravidade porque, como o resto, é da vida e integra o jogo. Só não vou me perdoar mesmo se fracassar em publicar os livros que escrevi, legando ao mundo um pouco do muito que vi. Quem sabe ainda em 2018 eu não consiga quebrar essa inércia e achar um tempinho para avançar nesse terreno. Às vésperas dos 60 anos, fracasso assume uma conotação quase metafísica. Assim sendo, nenhum se lhe compara a acordar desanimado. Isso, nunca.
Afinal, já vimos muito na vida para nos engasgarmos com pernilongo.
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