A obsessão de Evaristo Costa
O apresentador de telejornal Evaristo Costa me lembra certo personagem que conheci na casa de meus 20 anos. Para ele, não havia assunto que se equiparasse a seu namoro com Norma, uma bela estudante de engenharia por quem era perdidamente apaixonado. Em qualquer roda de conversa, lá vinha Alberto contar que tinham ido ao cinema, que pretendiam noivar na formatura dela, que deveriam casar em dezembro, que teriam três filhos, que se entendia de maravilha com os futuros sogros e que os cunhados eram mesmo que ser seus irmãos. Por alguma razão que talvez se explicasse pela obsessão ou pela capacidade de fabular cenários idílicos, o namoro perfeito veio abaixo. E Norma não tardou muito a desfilar com novo par, tocando a vida com naturalidade.
Alberto ficou nitidamente desacorçoado. Não somente porque perdera o único tema que lhe dava identidade como também por não conseguir ver como normal o desdobramento dos fatos. Mais do que depressa, achou uma brecha ainda mais monocórdica do que a anterior e começou a teorizar sobre o quanto tinha sido difícil tocar adiante o namoro com Norma. Razão pela qual estava aliviado. Segundo a nova cantilena, a ex-namorada passou a ser pegajosa, chata e ciumenta. Diante disso, Alberto voltava à tecla: estava feliz, estava mesmo felicíssimo, quase eufórico, por estar solteiro. Norma fora um equívoco. Tinha algumas qualidades, é certo, mas agora ele estava apto a curtir a vida. Começaria em breve a viajar, a passar as festas entre amigos, a descobrir novas parceiras. Norma, Norma, Norma...
Voltando a nosso personagem, você não precisa ser rato de rede social para dar de cara com os desabafos do ex-repórter da Globo para saber que ele encontrou o nirvana. Basta ler a primeira página dos portais, e lá está Evaristo comentando que há oito meses, duas semanas, três dias e oito horas se desligou da emissora. E que desde então, sua vida só tem sido paz, elevação e alegria. Quem assim vê, pensa que ele se refere a um período de provação numa masmorra imunda e fétida, numa caverna alagada na Tailândia, no cativeiro do Egito ou que sobreviveu a uma cirurgia de alto risco ou a uma chacina da qual tenha saído como único ileso. Mas não é nada disso. Até onde sei, resolveu mudar de ares. E deveria ser só isso, o que normalmente decorre de decisões refletidas e bem pesadas.
Ao que me conste, os funcionários da Globo gozam de um padrão bastante bom de trabalho. Afinal, não é qualquer emissora que consegue mandar 400 pessoas para passar um mês na Rússia e dá um show de eficiência, integração e articulação bem concertada de esforços. Trabalhar lá, até onde sei, costuma ser encarado como o ponto alto da carreira para jornalistas como ele, atores, dramaturgos e apresentadores. Protagonizar um de seus programas é tido como o ápice onde se poderia chegar na profissão, e mesmo coadjuvar propicia uma janela suculenta para ganhar visibilidade e prestígio. É no mínimo deselegante, senão suspeito, que ele só consiga falar do acerto de sair de uma vida, e não sobre o mérito de abraçar outra, com todas as angústias e delícias de ser apenas mais um em Oxford Streert.
Aos 41 anos, era perfeitamente legítimo que ele quisesse, por alguma razão, "curtir a vida". Ademais, admito que deveria ser uma provação excruciante trabalhar ao lado de uma apresentadora melíflua que não consegue se libertar do tom irritante de quem está falando para crianças. Mas a Globo é mais do que Sandra Annenberg que, a seu turno, também deve ter suas virtudes, e que certamente está trabalhando para corrigir o viés de mãe do mundo. O que parece mesmo é que Evaristo é o Alberto da história e que a Globo é a Norma que lhe permanece tatuada na pele ou em algum lugar entre a cabeça e o coração. Que ele precisa de orientação psicológica para lidar com isso, é gritante que sim. Ou de um orientador de carreira que lhe abra os olhos para o ridículo em que patina.
Por fim, um aspecto que salta aos olhos do espectador mais leigo, é que a perspectiva de perder a visibilidade e submergir no anonimato o apavora. Como náufrago agarrado a um tronco, Evaristo posta fotos no Instagram as menos originais, todas legendadas por textos paupérrimos sobre como tem curtido a vida londrina, como fez bem em priorizar a família e que está vindo passar férias no Brasil. Férias? Férias do que, meu caro? No fundo, Evaristo deve dormir e acordar sonhando com o momento em que a Globo se renderá a seus apelos de dor e o convocará para votar à telinha. "Dobramos teu salário, mas o povo quer você ao pé do teleprompter". Se isso podia acontecer um dia, agora a possibilidade me parece nula. Portanto, vira o disco, rapaz. Ou admita de vez que passou lá os melhores anos de sua vida.
Tempo desses encontrei o irmão de Alberto, o eterno enamorado de Norma. Perguntei-lhe sobre ele. Ficou solteiro, tem um cachorro e só voltou a sorrir porque soube que o marido de Norma está seriamente doente e que dentro em breve ela ficará viúva. Então, quem sabe, o telefone não tocará à sua cabeceira e, do outro lado, uma voz sussurrará: “Você está lembrado de mim?” Ora, nada indica que isso possa acontecer. Elaborar a perda e viver o luto é condição primordial para passar à segunda marcha. Porque mesmo quando foi nossa a decisão de atear fogo à casa, o ser humano é um coquetel de sentimentos complexos e contraditórios que nem sempre pode oferecer respostas racionais aos impulsos ditados pelo imponderável. Portanto, trate de relaxar, cara.
E lembre: se for para falar da antiga (na)morada, que seja com doces palavras. Grow up, mate!
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