Pedir não é vergonha...
A realização semana passada do ExpoFavela RS (foto), evento de empreendedorismo periférico em Porto Alegre, pode ter passado despercebida em meio a outros tantos eventos da capital neste ano. Mas tem um significado especial. Historicamente, a ação social foi vista no Brasil como um encaixe entre duas peças de um quebra-cabeça: os dependentes de auxílio, de um lado, e as entidades sociais, do outro. Em comum entre elas estava a unidimensionalidade. O conceito de vulnerabilidade social envolvia essencialmente pobreza material e suas consequências; e o de solidariedade evocava a abnegação típica das congregações religiosas.
De duas décadas para cá, a percepção sobre ambos os conceitos, vulnerabilidade e solidariedade, tornou-se multidimensional, assumindo várias facetas. Vulneráveis – e, portanto, reivindicadores de auxílio e de políticas públicas específicas – passaram a ser todos os que sofrem da chamada invisibilidade social: etnias, raças, orientações sexuais minoritárias e grupos portadores de necessidades especiais. Daquela única peça, a da pobreza material, nasceram várias outras.
A solidariedade também passou por uma transformação, deixando de ser quase exclusividade das ordens religiosas e entrando na agenda do Estado, das famílias, de grandes filantropos, da sociedade civil e das empresas privadas – além de as próprias comunidades vulneráveis terem se tornado mais conscientes e mobilizadas. Com auxílio da tecnologia e de práticas copiadas de mercados mais maduros, novas modalidades de auxílio, menos assistencialistas e mais empoderadoras, surgiram – fazendo multiplicar, igualmente, aquela peça única do puzzle da ação social.
O resultado? Atualmente, observa-se uma infinidade de combinações de demandas e formas de ação social, que reúnem personagens diferentes daqueles que historicamente fizeram parte deste cenário no Brasil. É como se o quebra-cabeça de duas peças inicial tivesse se transformado em outro, maior e mais complexo de montar, a exigir de todos os que atuam no setor a revisão de suas práticas. A ExpoFavela é sintomática dessa transformação. Propõe tornar as comunidades capazes de produzir riqueza por meio da organização e do trabalho, e não apenas de recebê-la a título de doação. Uma mentalidade totalmente diferente daquela que vigeu – e ainda é majoritária – nas entidades beneficentes e nas populações desfavorecidas.
Durante anos, o voluntário que liderava uma das maiores entidades de assistência do Rio Grande do Sul tinha como mantra um conformado "não temos que ter vergonha de pedir". Verdade. Como afirma a artista Amanda Palmer, constranger-se de pedir é se submeter aos caprichos do outro. Não há nada humilhante em fazê-lo, e muitas vezes é o que resta a quem passa dificuldades. Mas conquistar, como ensina o ExpoFavela, é muito melhor.
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