México, velho freguês de Copa
Desde que ganhamos o tricampeonato no México, em 1970, prometi a mim mesmo que sempre que o Brasil fosse alijado do páreo, o México haveria sempre de ser minha segunda opção. Isso porque precisaria ser um ingrato rematado – o que não sou – se não me mostrasse reconhecedor pela acolhida que a gente de Guadalajara nos proporcionou naquela campanha memorável. Na partida final, contra a Itália, uma multidão de mexicanos invadiu o gramado do estádio Azteca para carregar Pelé em triunfo, em meio a um mar de "sombreros" que aclamavam nosso Rei com igual ou maior intensidade do que nós mesmos faríamos se estivéssemos lá. Na minha cidade natal, Garanhuns, um tio que foi prefeito na época, batizou de Guadalajara uma esplanada de lazer, atestando a que ponto nos impregnamos de cultura mexicana desde então.
Quando fui ao México pela primeira vez, por volta de 1982, mal podia imaginar que ali se iniciava um capítulo venturoso de descobertas, embora bastante difícil de minha vida internacional. Enquanto trabalhava numa fábrica de lentes oftálmicas, cujas exportações eu tocava, tudo era cordialidade e não era raro que deambulasse pelas ruas da capital na companhia simpática do velhinho Eduardo Turatti, meu principal cliente. Italiano de nascimento, ele era implacável com a corrupção que campeava no país, com a força de cartéis que fechavam o México à concorrência internacional e, profeticamente, acenava com a eclosão futura de gangues que atuariam em favor do crime organizado, o que infelizmente aconteceu. Nada disso, contudo, obliterou minha paixão por aquele país alegre, onde músicos dão plantão nas esquinas à espera de uma convocação para animar um sarau amoroso.
Hoje, contudo, em pleno 2 de julho de 2018, eis que estávamos em lados opostos. E minhas atenções com respeito ao país irmão – este sim, digno do título – não se voltaram sequer para a eleição de André Manoel López Obrador, registrada há horas. Tampouco pelo drama das famílias vitimadas pelas sanhas xenofóbicas de Donald Trump que assumiram viés odioso, com a separação das famílias na passagem da fronteira, punindo os pais que levam crianças para a aventura e castigando cruelmente estas últimas. Não, hoje despertei tarde e já liguei a televisão para entrar no clima que rola lá em Samara, na Rússia, cidade que foi fechada à visitação estrangeira por conta de sediar a sensível engenharia aeroespacial do grande país. Entre comentários abalizados e as platitudes costumeiras que assolam o mundo do futebol, esperei que a bola rolasse.
A primeira parte do primeiro tempo foi bastante preocupante. Pressionados na defesa, não sabíamos como sair tocando a bola e estávamos sem meio-campo. Os laterais visivelmente não inspiravam confiança. Paulinho estava flagrantemente opaco e Casemiro desperdiçou pelo menos três passes que não poderia ter perdido. Sem grandes recuperações individuas, salvo talvez por Neymar, ganhamos vida pela esquerda. Willian, salvo por dois desarmes de recuperação, mais uma vez estava medíocre, embora esforçado. O professor Osório – o genial treinador do México – conseguiu nos enquadrar a um ponto inquietante. Então as ações começaram a se equilibrar e tivemos até mais chances de gol antes do fim do primeiro tempo. Naquele momento, o que eu mais queria era ver Marcelo entrar pela esquerda, como forma de minimizar o perigo de termos um segundo cartão amarelo no Felipe Luís. Fagner me parecia inseguro.
E então veio o segundo tempo. Marcelo não chegou, mas o futebol pouco a pouco ficou exuberante. Neymar jogou bola e Willian, que estava devendo tanto desde os jogos anteriores, desencantou e jogou demais. Estando Casemiro recuperado tecnicamente, há de se deplorar o segundo cartão amarelo recebido, mas Fernandinho dará conta do recado. E quando veio o primeiro gol, abriu-se a porteira para a consolidação de uma vitória anunciada. É claro que há de se lamentar as deslealdades flagrantes de nossos adversários, bastante dispensáveis para a construção ou mesmo para a reversão de qualquer resultado. O segundo gol premiou um jogador tido por muitos como aquele que melhor encarna o espírito de Seleção que é Roberto Firmino. Dessa vez, assim, as bruxarias do treinador do México não vingaram. E Tite mostrou que parece entender do riscado. Viva, portanto, o futebol solidário.
Aos mexicanos, boa viagem de volta. Cá entre nós, vocês ainda precisam jogar mais bola para chegar à quinta partida de uma Copa. Com o "brujo" Osório ou não.
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