A caminho do Nobel
Acho que as chances de o Brasil ganhar um prêmio Nobel nos próximos três anos se tornaram imensas. E se Jair Bolsonaro conseguir se reeleger, o que para alguns não chega a ser nenhum disparate estatístico (conquanto seja um fenômeno cataclismático), as chances de o conseguirmos nos próximos sete anos beiram os 100%. É pouco provável que o galardão seja outorgado às áreas científicas onde não temos grupos credenciados para balizar novos caminhos para a física, química, medicina e mesmo para a economia. No mais, ainda que os tivéssemos, distingui-los não constituiria afronta ao presidente, logo não teria que se curvar a um calendário.
Já no campo mais subjetivo, por assim dizer, tudo é possível. Refiro-me, evidentemente, aos prêmios da Paz e da Literatura. Ambos poderiam dar uma tribuna para que um ativista dos direitos humanos ou da área ambiental vocalizasse o caráter truculento da pregação política vigente no Brasil. E, no segundo caso, daria microfone para que um(a) escritor(a), talvez até obscuro por aqui, possa chegar a Estocolmo e desfraldar um discurso de resistência ao que temos. E como é provável que vá acontecer, uma parte vai confraternizar nas ruas e berrar "faz escuro, mas eu canto". A outra torcerá o nariz e xingará quem vai achincalhar o Brasil no exterior.
Nesse contexto, o terrível desses tempos é que tudo ganha uma forte conotação política. Quando Chico Buarque ganhou recentemente o prêmio Camões, todos perceberam o silêncio do Planalto diante de tamanha distinção. Um cantor e poeta que maravilha o Brasil há gerações torna-se, em dado momento, um mero balizador de afetos e ódios, ficando sua obra como ponto secundário. O mesmo já aconteceu nos anos 1970 quando dizem que D. Hélder era indicação certa para o Nobel da Paz, e a Academia recuou diante das pressões de Brasília, que ameaçava vetar as importações de bacalhau da Noruega.
A distorção política faz muito mal às artes. Círculos literários brasileiros comentam à boca pequena (quase em surdina) que alguns de nossos melhores prêmios têm sido outorgados a escritores e escritoras apenas medianos, mas que representam aqui acolá mulheres, negros, homossexuais, oprimidos, moradores de periferias, enfim, que a atribuição não-literária prevaleceu sobre o mérito da palavra escrita. É como o debate em torno do filme Bacurau. Para muitos parece uma mistura de Astérix, Jetsons com Canudos. Mas como diz uma amiga, é filme-boia, ou seja, todos se pegam nele como metáfora da tal resistência.
Não era nesse contexto que gostaria de ver o Brasil ser agraciado com um Nobel. Chile, Argentina, Colômbia, Peru e Costa Rica são alguns dos latino-americanos que já dispararam na nossa frente. Chico Mendes teria sido um grande nome. A irmã Dulce, da Bahia, também. Na literatura, perdemos uma plataforma para mostrar ao mundo quem era João Cabral, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. Espero que nosso agraciado inevitável traga o lastro de uma obra – sob quaisquer aspectos –, e que nosso laureado pela Paz, se este for o caso, não vá lá com um panfleto. Que cheguemos na Escandinávia a caráter para abrilhantar um país cujo carisma drena todo dia.
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