Que mal há no marketing?
Em sua campanha de relançamento, a marca de refrigerantes FYs, pertencente à Heineken, orgulha-se de conter "50% menos açúcar e menos marketing" que os concorrentes. Para ilustrar o segundo atributo, a empresa ironiza os chavões dos comerciais do setor, como uso de celebridades, mascotes e recursos visuais clássicos, como pedras de gelo caindo em um copo da bebida (veja aqui e aqui).
Que o açúcar é um vilão universal da alimentação, há tempos se sabe. Mas intriga uma empresa renegar o marketing justamente em uma peça típica de marketing, como a propaganda. De onde vem o preconceito contra a atividade, a ponto de alguns de seus representantes, como os publicitários, valerem-se sem constrangimento de um apelo que contribui para estigmatizá-la?
A resposta vem de longe – no tempo e na geografia. Começa nos países de capitalismo pioneiro com a desconfiança em relação ao mundo dos negócios, visto como voltado ao atendimento de interesses particulares em detrimento dos coletivos, e respinga no marketing, atividade que é uma espécie de comissão de frente das empresas privadas, dada sua interface com praticamente todos os seus stakeholders. Some-se a isso o fato de o marketing, principalmente por meio da propaganda e da venda, valer-se de recursos como persuasão e sedução, e o estrago estava feito: para muita gente, tornou-se sinônimo de promessas vazias e manipulação da realidade, quando não de puro logro ou enganação.
Mas para além de porta-estandarte das empresas privadas, o marketing tornou-se, com o tempo, uma espécie de símbolo do capitalismo e da sociedade de consumo, bem como de todas as supostas mazelas produzidas por ambos: externalidades sociais e ambientais negativas, coisificação da vida, materialismo e insaciabilidade.
No Brasil, país de capitalismo tardio e protecionista, o marketing sofreu resistência adicional, segundo o especialista José Roberto Whitaker Penteado ("Marketing no Brasil: Não é Fácil", 1990, ed. Referência). A inexistência de desenvolvimento de produtos específicos para o mercado local fez com que multinacionais tentassem "impingir ao consumidor a versão de um produto" feito no exterior, desconsiderando a realidade brasileira. Problemas de marketing, assim, acabaram confundidos como problemas de vendas, pois importar mercadorias e tentar comercializá-las é bem diferente de pesquisar o consumidor local, desenvolver um produto, testá-lo e, enfim, levá-lo ao mercado. Vendas é apenas uma – e a última de uma cadeia – das atribuições do marketing, e que será tão mais bem desempenhada se for antecedida por outras, tão importantes quanto. Afinal, já ensinava Peter Drucker, "o objetivo do marketing é tornar desnecessário o esforço de vendas" ao conceber produtos e serviços à feição do consumidor.
E assim, chega-se no comercial do FYs, que propõe subverter o marketing ao pretensamente denunciá-lo.A ideia nem original é – basta lembrar de um anúncio muito parecido da Sprite, de 25 anos atrás ("imagem não é nada, sede é tudo"). Ou seja, já se foi o tempo em que a juventude era uma banda numa propaganda de refrigerante. Agora, o marketing é o bode expiatório num anúncio de bebida com pouco açúcar – e, eu sei, já ouvimos tudo isso antes.
Comentários: