O consumidor deve consentir
A economia móvel – da qual fazem parte, entre outros, o 5G e os carros conectados – deverá responder por 4,5% do PIB da América do Norte até 2020, de acordo com o grupo comercial de operadores móveis GSMA. Isso equivale a US$ 1 trilhão. Contudo, embora as pessoas e as empresas estejam gastando cada vez mais com aparelhos móveis e com tecnologia, os anunciantes ainda não surfam nessa onda. É a opinião de Anindya Ghose (foto), professor de Informações, Operações, Ciências da Gestão e Marketing da Universidade de Nova York, que escreveu recentemente um novo livro: Tap: Unlocking the Mobile Economy (Toque para Destravar a Economia Móvel, em tradução livre).
Em entrevista à Universia Knowledge@Wharton – serviço disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander, Ghose fala sobre o comportamento que tanto empresas quanto consumidores devem adotar nesse novo ambiente. Confira a seguir a entrevista, em versão editada.
Pela importância que têm os smartphones e o segmento móvel na economia americana, o valor de US$ 1 trilhão movimentado pela economia mobile ainda está aquém do esperado?
Sim, creio que a adoção tem sido mais lenta do que esperávamos. Se analisarmos o consumo de quem usa esses aparelhos e o montante real de dinheiro que está sendo despejado ali, veremos que há, efetivamente, uma grande diferença. Por exemplo, em relação ao ano passado, o consumidor estava gastando uma média de 25% do seu tempo diário nesses aparelhos. Mas os anunciantes estavam destinando apenas 12% dos seus dólares em anúncios na economia móvel. Há um grande descompasso no setor e uma ineficiência que leva a um potencial enorme de monetização.
De que maneira as empresas poderiam diminuir esse descompasso?
O segredo aqui é o equilíbrio. Em outras palavras, o marketing móvel é uma estratégia poderosa da qual outras formas de marketing – anúncios em TV direta, frames, pop-ups e até mesmo mecanismos de busca – nem sequer chegam perto. Contudo, a realidade é que, no mundo digital, muita gente acha a publicidade em aparelhos móveis uma coisa cansativa e invasiva. As pessoas não gostam nem um pouco desses anúncios que atrapalham a navegação ou a experiência de consumo. Isso acontece por dois motivos. Em primeiro lugar, as marcas não têm informações suficientes sobre as preferências do consumidor, por isso mostram a ele uma porção de anúncios, mandam-lhe inúmeras ofertas como se estivessem jogando dardos no ar, na esperança de que algum acerte o alvo. O que acontece, porém, é que as pessoas se sentem sufocadas e incomodadas com essas ofertas e as ignoram.
O que deve ser feito para evitar esse desgaste?
Nesses casos, a solução é criar um equilíbrio ideal, para que o número de ofertas seja menos frequente do que é atualmente, e ao mesmo tempo mais relevante e mais bem direcionado. É por isso que falo de comunicação dupla entre consumidor e marcas. Se o consumidor quiser partilhar mais informações sobre si mesmo, as marcas poderão usar o meio móvel como uma espécie de recepcionista ou mordomo, em vez de perseguir o consumidor.
Hoje temos informações sobre o comportamento do consumidor e, teoricamente, deveríamos direcionar as coisas de que ele gosta, aumentando o índice de resposta. No entanto, não estamos vendo isso. O que você considera um bom exemplo de marketing móvel?
O que está acontecendo se deve, em grande parte, à desconexão entre as preferências do consumidor, profissionais de marketing e marcas no tocante ao que as pessoas querem, quando querem e como querem. Há várias razões para isso. O atual ecossistema de tecnologia publicitária está extremamente fragmentado. Há centenas de players no ecossistema, e cada um deles basicamente cria e armazena dados em silos próprios. Está cada dia mais difícil juntar os dados dos perfis desses consumidores. De vez em quando, algumas marcas conseguem fazê-lo, e quando isso acontece, os retornos são enormes e numerosos.
E o papel do consumidor?
As pessoas, em geral, receiam que seus dados sejam usados. Sempre que há algum sucesso, isso se deve ao fato de que a empresa se norteou por dois princípios: aviso e consentimento. É preciso que as marcas avisem o consumidor sobre a forma com que pretendem usar seus dados móveis e em que contexto. Consentimento significa que elas precisam dar ao consumidor uma escolha, isto é, se eles querem ou não tirar proveito dessas ofertas. Portanto, aviso e consentimento são os mantras a que o profissional de marketing deve recorrer. Depois que passamos a aplicar essa estratégia aos nossos estudos e projetos, tivemos um tremendo sucesso.
Você é um dos autores de um estudo sobre como as pessoas reagem à publicidade em espaços extremamente confinados.
Esse foi um estudo que fiz em parceria com Michelle Andrews, da Emory, e Xueming Luo, da Temple University. Analisamos o que chamo de uma das forças da economia móvel, a “aglo-meração”. Qual o grau da aglomeração [física] no contexto imediato de proximidade do consumidor? Fizemos uma experiência de campo de grande escala nos metrôs lotados de uma cidade grande da China em que trabalhamos com a variação do aglomerado em relação ao tempo. Em seguida, mandamos ofertas de vários produtos e serviços às pessoas em seus smartphones. À medida que o nível de aglomeração no contexto imediato das pessoas aumentava, elas se mostravam mais propensas a aceitar e a resgatar as ofertas que chegavam aos seus celulares.
Que mecanismo estaria por trás disso?
O que acontece é que, quando estamos rodeados de estranhos, não gostamos de tomar a inciativa de dizer “olá”. Procuramos nosso telefone, e praticamente mergulhamos nele. Aquele aparelho se torna nosso espaço privativo. É nosso espaço de fuga. Nos 20 ou 30 minutos que as pessoas passam no trem diariamente, elas mergulham ostensivamente em seu aparelho móvel e dão às marcas uma atenção total. Se, durante esses 20 ou 30 minutos, elas conseguirem descobrir o que você deseja, é provável que prestem mais atenção às mensagens e, consequentemente, aceitem as ofertas feitas.
Mesmo sendo bombardeado por uma grande variedade de anúncios em meu celular, não significa que compre alguma coisa. Como o marketing deve vencer isso?
Observamos que o uso do celular resulta em cerca de 2% ou 3% de conversões finais, mas ele é responsável por até 40% das vendas. Devido a essa disparidade, muitos profissionais de marketing veem com ceticismo o segmento móvel, já que sua preocupação é saber até que ponto esse segmento funciona como gatilho imediato de conversão. Contudo, com frequência, a pessoa tem de ser exposta a um anúncio em seu smartphone ou tablet, mas pode ficar off-line ou ir até o PC para fazer a compra.
Há produtos ou serviços mais adequados ao marketing móvel ou a uma campanha publicitária?
Em meu livro, falo de várias indústrias diferentes em que observamos grandes ganhos no segmento móvel: varejo, serviços bancários ao consumidor, indústria hoteleira, linhas aéreas, viagens e turismo, comércio eletrônico etc. Esses são alguns dos setores que conquistaram em boa medida o segmento de aparelhos móveis e de aplicativos móveis entre consumidores e marcas. Alguns dos estudos de caso bem-sucedidos com que nos deparamos são oriundos dessas indústrias. Não demora muito, porém, prevejo que esse não será um fenômeno só de B2C (da empresa para o consumidor). É algo que penetrará também o mundo das empresas (B2B). É só uma questão de tempo. Parte do meu livro é dedicada a essas nove forças que estão moldando a economia móvel. Começo falando do contexto, que é um tipo de superforça: por que seu cliente está aqui, o que ele quer e como se sente. Mas há também outros fatores como localização e tempo, clima e aglomerado, conforme mencionei. Para um varejista que esteja tentando conquistar um consumidor, ele precisa basicamente compreender esse conceito de “marketing de momento”. Quanto melhor você conhece o contexto do consumidor, seu “por que, o que e como”, e quanto melhor conhecer algumas outras forças, melhor você poderá combinar esses dados. A soma das partes é maior do que o todo. O que vimos com o passar do tempo é que esses varejistas que seguem o mantra do “aviso e consentimento”, e então combinam essas duas forças, têm uma taxa de resgate de 30% em suas ofertas móveis, diferentemente do que ocorre com a taxa genérica de resgate de 1%.
Estamos em mais uma transição na tecnologia móvel. Quando o celular apareceu pela primeira vez, as pessoas tinham sites para mobile. Agora, temos um aplicativo para toda empresa com que me relaciono. Você está vendo ou prevendo alguma coisa interessante sobre a evolução da interface móvel que seja importante para nós conhecermos?
Imagino que, no futuro, haverá equipamentos que terão aspecto de aparelho móvel ou se integrarão a eles. Haverá um ecossistema em que teremos realidade virtual e realidade aumentada embutidas nos aparelhos móveis. Haverá aparelhos variáveis que se tornarão semimóveis, e se integrarão aos aparelhos móveis. Haverá também coisas que serão agregadas à nossa casa, como o Google Home ou o Amazon Echo. Esses aparelhos funcionarão em sintonia com os aparelhos móveis. O mais fascinante é que em alguns anos, aproximadamente, à medida que essas coisas internas e os smartphones se tornarem cada vez mais comuns, haverá a oportunidade para as grandes e pequenas empresas tirarem proveito dos nossos dados comportamentais.
Você se preocupa com o grau de conexão a que estaremos sujeitos e com o volume de dados que tornaremos disponíveis?
Eu diria que minha principal preocupação, ou apreensão, ou o conselho que eu daria às empresas, é que fiquem atentas a esse equilíbrio. Conforme você disse, há evidências de que o consumidor está disposto a se manifestar e partilhar informações, mas é preciso que sejamos muito responsáveis, além de ganhar a confiança dele. Nós, como consumidores, estamos dispostos a lhe dar a oportunidade de ganhar nossa confiança, mas se você cometer um erro, você a perderá. Há uma linha muito tênue entre agir como recepcionista e se tornar alguém que persegue o outro. Este é o meu conselho às empresas: sejam extremamente cuidadosas ao trilharem essa linha. A boa notícia é que, se você olhar para o copo d’água meio cheio, há evidências suficientes agora, conforme observamos ao longo dos anos, de que quando as empresas trilham essa linha com cautela, o retorno do consumidor é imenso.
Há desvantagens em toda essa tecnologia?
Sim, sem dúvida. Sempre brinco com meus amigos que o celular está nos tornando preguiçosos. É verdade. Tudo o que temos e de que precisamos está basicamente em forma de aplicativo no smartphone. Não faz muito tempo, eu tinha de sair de casa, caminhar alguns quarteirões para comprar um litro de leite. Agora, basta pedir na Amazon Prime. O leite chega à minha porta em meia ou uma hora. Existe esse aspecto. Há também o aspecto da conectividade, conforme você mencionou, que é aquele de um mundo sem celular. Eu provavelmente tentaria me apresentar a um estranho em um ambiente social e procuraria conversar com ele. Agora, não tenho mais o incentivo para fazê-lo porque tudo o que me interessa está nesse aparelho.
Há um artigo interessante segundo o qual o celular dá emprego a cerca de 2,3 milhões de pessoas atualmente. Obviamente, à medida que isso for crescendo, o número de postos de trabalho deverá continuar a crescer também.
Correto. O segmento móvel contribui com 4,2% do PIB global, o que corresponde a US$ 3,1 trilhões em valores econômicos. Boa parte disso vem da criação de novos postos de trabalho e de novas fontes de emprego. Muito do que vemos na economia compartilhada, por exemplo, é possível graças ao celular. Andamos nos carros da Uber e da Lyft que chamamos pelo celular, e os motoristas estão conectados a nós. Vejo uma grande vantagem na criação de postos de trabalho e muitos outros benefícios sociais graças também à economia móvel. No entanto, é preciso que tenhamos em mente que a privacidade dos dados é um assunto importante, que deve ser tratado com muita cautela pelas empresas.
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