Marqueteiros do passado
Os primeiros meses do ano são uma época boa para contratações. Se este é o caso de sua empresa, aí vão alguns perfis de profissionais de um passado distante que, embora oficialmente não ostentassem o título de bacharéis em marketing ou comunicação, eram bons no riscado. Quem sabe seus truques não o inspiram na descrição das vagas e no recrutamento de candidatos?
Que tal, por exemplo, um criador de conteúdo prolífico, como Johann Sebastian Bach (1685–1750)? Assoberbado por tantas encomendas de composições, as quais tinha de apresentar nas cidades alemãs semanalmente, especializou-se em "reciclar muitas de suas próprias peças", segundo um especialista. Achou o sujeito meio malandro? Não se preocupe. Ele não fez nada que outros não fizessem, pois tratava-se de uma prática comum à época. Além disso, "escrever uma cantata por semana não seria uma tarefa exequível para mortais como nós".
Precisando de um assessor de imprensa? Um com perfil parecido ao de Marcel Proust (1871-1922) viria bem. Detalhe: escrúpulo também não era seu forte. Proust pagou por resenhas favoráveis a seu primeiro livro nos jornais. Mais do que isso, escreveu-as, tratando "No caminho de Swann" como "pequena obra-prima". Dado que o romance sobreviveu ao tempo e passou a ser classificado como masterpiece por leitores isentos, não dá para dizer que tenha exagerado na adjetivação. Além disso, pagar por resenhas era comum naqueles tempos também....
Se esses dois nomes fariam arrepiar os cabelos de seus colegas de compliance, então aqui vai outra sugestão. Richard Wagner (1813-1883), compositor erudito alemão, embora trabalhasse com música, era mestre em narrativas – a seu próprio respeito, claro. Depois de passar por maus bocados em Paris, forjou para si a imagem do artista desinteressado em dinheiro, um ser superior a quem só competia criar – enquanto nos bastidores agia como um captador de recursos para financiar seus projetos musicais. Toda sua obra só ia "a mercado" acompanhada de um cuidadoso release no qual indicava aos críticos e ouvintes como interpretá-la. O alemão tinha um benchmark chamado Hector Berlioz, compositor francês a quem admirava por encarregar-se da experiência artística completa: "[v]ocê ouve a música de Berlioz exclusivamente nos concertos que ele mesmo organiza uma ou duas vezes por ano; esses concertos são seu território exclusivo; suas obras são tocadas por uma orquestra arregimentada por ele (...)" (Valor Econômico, 15/02/13).
Agora, boa no que fazia era Johanna van Gogh-Bonger (1862-1925), casada com Theo van Gogh, irmão de Vincent. Depois que os brothers morreram, Johanna viu-se com um filho nos braços e um estoque de mais de 400 telas de seu cunhado, até ali um pintor inexpressivo. Seu insight para torná-lo conhecido e apreciado pós-morte foi se valer de outro legado produzido por Vincent: as inúmeras cartas que escrevia a Theo, zelosamente guardadas pelo mano. Assim, as perturbações e os devaneios descritos pelo artista ajudavam a entender as perturbações e os devaneios pintados por ele, numa espécie de narrativa transmídia primeva. Um combo incomum à época, e que vingou. Esse e outros segredinhos, descritos aqui tornaram-na a verdadeira responsável pela admiração que todos os apreciadores de arte rendem a Vincent atualmente – um verdadeiro sucesso de público, crítica e resultados, como bem mandam os manuais de marketing e comunicação atuais.
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