Voltamos a guardar dinheiro debaixo do colchão?
Em tempos de pandemia, as pessoas não estão apenas estocando gêneros de primeira necessidade (como alimentos, produtos de higiene e limpeza), mas também dinheiro em espécie. Muitas empresas também estão retendo, em seus caixas, dinheiro que já poderia ter sido depositado nos bancos, mas permanecem guardados nos cofres. O pedido de antecipação por parte do Banco Central do Brasil para emissão de dinheiro novo – cerca de R$ 9 bilhões – sinaliza que o dinheiro em circulação não está retornando ao sistema bancário com a velocidade normalmente observada, afetando o fluxo monetário do país e gerando preocupação das autoridades do setor. Esse fenômeno pode ter vários motivos.
Primeiramente, há uma questão bastante prática: por conta da pandemia da Covid-19, na maioria das cidades brasileiras, as pessoas estão sendo orientadas, e em alguns casos obrigadas, a permanecerem em casa, principalmente nos grandes centros urbanos, onde há a maior circulação de dinheiro. Nesse caso, existe inclusive muita dificuldade para aqueles que normalmente iriam ao banco depositar dinheiro, além do fato do aumento do risco de contaminação, ou de assalto, ao permanecerem nas filas. Muitos estão preferindo manter o dinheiro consigo e usar para pagar seus próximos compromissos.
Outra questão importante é a situação dos juros. A taxa básica de juros atual, a Selic, está operando em 3% ao ano, mínima histórica em nossa economia. Considerando que ela serve de parâmetro para os negócios financeiros do mercado, uma taxa de juros nesse patamar é muito pouco atrativa para os pequenos investidores, aqueles que aplicam suas reservas na poupança, cuja remuneração atualmente é de 70% da taxa Selic, ou seja, 2,1% ao ano.
A situação fica ainda mais complicada quando consideramos a inflação. A meta de inflação projetada pelo governo é de 4% ao ano; o IPCA acumulado nos últimos 12 meses está no patamar de 2,4% ao ano. Isso significa que os investidores em poupança atualmente estão "perdendo para a inflação", pois o dinheiro não está nem mesmo conservando o poder de compra, valendo menos a cada dia. Existe também um temor latente de parte da população de que a situação possa ficar ainda pior do que está. O chamado lockdown, um protocolo extremamente restritivo à circulação, faz com que muitas pessoas se preparem "para o pior", mesmo não sabendo exatamente qual seria esse cenário. E nesse caso, o instinto de sobrevivência de cada um predomina, levando as pessoas a fazerem reserva de tudo aquilo que consideram necessário para sua sobrevivência, incluindo aí o meio de pagamento utilizado para obtê-los.
Não há, ainda, condições de se fazer uma previsão de quanto tempo durará essa situação, e se essa antecipação da emissão de cédulas de reais resolverá o problema do entesouramento. Mas uma coisa é certa: estamos vivenciando acontecimentos nunca antes experimentados, que estão afetando as relações em todo o planeta e servindo de aprendizado para que nos tornemos mais fortes e preparados para as adversidades, pois certamente essa não será a última pandemia que iremos enfrentar.
*Professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de Campinas (SP)
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